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segunda-feira, 22 de julho de 2013

Na expectativa da ocupação nazi, por William Somerset Maugham

Fotograma do filme «Paris está em chamas?» (1966), dirigido por René Clément















Esta história relaciona-se com a guerra exclusivamente na medida em que afecta os destinos de um pequeno grupo de pessoas, membros de uma única família inglesa, e portanto nada é preciso dizer aqui dos acontecimentos que se seguiram em rápida e espantosa sucessão: as invasões da Dinamarca e da Noruega, da Bélgica e da Holanda. Depois, as linhas francesas foram rompidas ao sul de Sedan; poucos dias mais tarde os alemães capturavam Arras e Amiens, e alcançavam as costas do Canal da Mancha. Daí a uma semana o rei Leopoldo capitulava com o exército belga. O comunicado alemão anunciou que a sorte das forças aliadas estava decidida.
Jane ficou aniquilada. Que significa então tudo que tinham dito durante os últimos três meses aquelas criaturas optimistas que vinham tomar cocktails a sua casa? Nem sequer haviam vislumbrado a possibilidade de um desastre. E o próprio Chamberlain, quando os alemães invadiram a Noruega, não declarara na Câmara dos Comuns que Hitler tinha perdido a chance? Ainda não havia um mês que um dos figurões, com o peito cheio de fitinhas, lhe tinha dito que o Exército francês estava em magnífica forma, e que apostaria a cabeça em como o Huno receberia ali a maior surpresa da sua vida. Ian estava em França. Talvez morresse, e o melhor que se podia desejar era que fosse feito prisioneiro. Roger também estava lá. Mas Roger sabia cuidar de si. Ian era tão tolo! Jane sentia-se tomada de terror. Corria Ceca e Meca, à procura de notícias, apelava para amigos influentes. Um ministro disse-lhe pelo telefone que as forças expedicionárias britânicas estavam encurraladas e seria um milagre se mais de trinta ou quarenta mil homens conseguissem escapar.
– Nada animador, hem? – disse ela.
– Péssimo – respondera-lhe.
Jane teve um breve riso gutural.
– Creio que Ian vai ficar prisioneiro. Há anos que lhe digo que faça um tratamento para emagrecer. É o que vai fazer agora, quer queira, quer não.
– Não perca a coragem, minha amiga – disse o ministro. – Havemos de nos sair desta.
– Naturalmente.

In «Antes do amanhecer», romance de William Somerset Maugham (tradução de Moacir Werneck de Castro), colecção «Autores de Sempre», Livros do Brasil, Lisboa, [1990].

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