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Fotograma do filme «Paris está em chamas?» (1966), dirigido por René Clément |
Esta história relaciona-se com a guerra exclusivamente na medida em que afecta os destinos de um pequeno grupo de pessoas, membros de uma única família inglesa, e portanto nada é preciso dizer aqui dos acontecimentos que se seguiram em rápida e espantosa sucessão: as invasões da Dinamarca e da Noruega, da Bélgica e da Holanda. Depois, as linhas francesas foram rompidas ao sul de Sedan; poucos dias mais tarde os alemães capturavam Arras e Amiens, e alcançavam as costas do Canal da Mancha. Daí a uma semana o rei Leopoldo capitulava com o exército belga. O comunicado alemão anunciou que a sorte das forças aliadas estava decidida.
Jane ficou aniquilada.
Que significa então tudo que tinham dito durante os últimos três meses aquelas
criaturas optimistas que vinham tomar cocktails
a sua casa? Nem sequer haviam vislumbrado a possibilidade de um desastre. E o
próprio Chamberlain, quando os alemães invadiram a Noruega, não declarara na
Câmara dos Comuns que Hitler tinha perdido a chance? Ainda não havia um mês que um dos figurões, com o peito
cheio de fitinhas, lhe tinha dito que o Exército francês estava em magnífica
forma, e que apostaria a cabeça em como o Huno receberia ali a maior surpresa
da sua vida. Ian estava em França. Talvez morresse, e o melhor que se podia
desejar era que fosse feito prisioneiro. Roger também estava lá. Mas Roger
sabia cuidar de si. Ian era tão tolo! Jane sentia-se tomada de terror. Corria
Ceca e Meca, à procura de notícias, apelava para amigos influentes. Um ministro
disse-lhe pelo telefone que as forças expedicionárias britânicas estavam
encurraladas e seria um milagre se mais de trinta ou quarenta mil homens
conseguissem escapar.
– Nada animador,
hem? – disse ela.
– Péssimo –
respondera-lhe.
Jane teve um
breve riso gutural.
– Creio que Ian
vai ficar prisioneiro. Há anos que lhe digo que faça um tratamento para
emagrecer. É o que vai fazer agora, quer queira, quer não.
– Não perca a
coragem, minha amiga – disse o ministro. – Havemos de nos sair desta.
– Naturalmente.
In «Antes do amanhecer», romance de William Somerset
Maugham (tradução de Moacir Werneck de Castro), colecção «Autores de Sempre»,
Livros do Brasil, Lisboa, [1990].
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