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Peça em bronze idealizada por António
Duarte, no Pragal
(Imagem retirada de www.almadadigital.pt)
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E Fernão Mendes Pinto
pode a seguir dar largas à sua penetração de Proust aventureiro. Esse estranho
Mendes Pinto que o mundo leu com incredulidade e deslumbramento, mal o cravo, a
canela e a pimenta aguçaram o apetite dos povos, e que desgraçadamente deixou
de ler no dia em que a Índia mudou de mãos. Porque valia a pena continuar. Nos
trâmites da sua acidentada Peregrinação,
no enredo daquelas andanças, que seria bom completar com relatos despretensiosos
e anónimos da História Trágico-Marítima,
tinha a humanidade, além da mais extraordinária e penitente auto-acusação que
um povo pode fazer às injustiças do seu próprio imperialismo, um dos documentos
dolorosos do que custa progredir no espaço e no tempo. Livro duma vida e de
muitas vidas, há nele uma autenticidade humana que tem a frescura duma
reportagem de hoje e duma introspecção de sempre. A agilidade e o espanto dum
espectador inteligente e sensível diante do fenómeno sempre maravilhoso e
inquietante de civilizações em choque e de homens em acção.
In «Traço de União – Temas portugueses e brasileiros», de
Miguel Torga, Coimbra, 1969 (2.ª edição revista) – Excerto de «Panorama da Literatura
Portuguesa», conferência realizada na Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro,
em 17 de Agosto de 1954.
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