Páginas

terça-feira, 21 de maio de 2013

PARA ALÉM DOS IMPULSOS E DOS INSTINTOS

António Damásio – Foto retirada de http://portuguese-american-journal.com
Até que ponto os impulsos e os instintos podem, por si só, garantir a sobrevivência de um organismo, depende da complexidade do meio ambiente e da complexidade do organismo em questão. Encontramos entre os animais, dos insetos aos mamíferos, exemplos inequívocos de como enfrentar com sucesso problemas do meio ambiente com base em estratégias inatas. Essas estratégias incluem com frequência aspetos complexos da cognição e comportamento social. A complicada organização social dos nossos primos macacos, ou as sofisticadas práticas sociais de muitas aves são uma enorme maravilha. No entanto, quando consideramos a nossa própria espécie e os meios ambientes bem mais variados e imensamente imprevisíveis em que temos conseguido sobreviver, encontramos algo de diferente. Dependemos de mecanismos biológicos de base genética, altamente evoluídos, e de estratégias suprainstintivas de sobrevivência que se desenvolveram em sociedade, que são transmitidas por via cultural, e que requerem consciência, deliberação racional e força de vontade. É por isso que a fome, o desejo e a raiva dos seres humanos não resultam na alimentação desenfreada, na violência sexual e no assassínio, pelo menos nem sempre, dado que um organismo humano saudável se tenha desenvolvido numa sociedade em que as estratégias de sobrevivência suprainstintivas sejam ativamente ensinadas e respeitadas.
Há milénios que pensadores ocidentais e orientais, religiosos ou não, conhecem este facto; mais perto da nossa época, o tema preocupou tanto Descartes como Freud, para referir apenas dois nomes. O controlo das inclinações animais através do pensamento, da razão e da vontade é o que nos torna humanos, segundo As Paixões da Alma de Descartes. Estou de acordo com a sua formulação, só que onde ele especificou um controlo alcançado por um agente não físico eu vejo uma operação biológica estruturada dentro do organismo humano que em nada é menos complexa, admirável ou sublime. A criação de um superego que integraria os instintos nos ditames sociais foi a formulação encontrada por Freud em O Mal-Estar na Civilização, superego esse que se encontrava liberto do dualismo cartesiano ainda que não tenha sido explicado em termos neurais. A tarefa com que se deparam os neurocientistas de hoje é a de descobrir a neurobiologia que suporta as suprarregulações adaptativas, ou seja, estudar e compreender as estruturas cerebrais necessárias para se ter um conhecimento dessas regulações. Não procuro reduzir os fenómenos sociais a fenómenos biológicos, mas antes debater a ligação entre eles. Quero sublinhar que, muito embora a cultura e a civilização surjam do comportamento de indivíduos biológicos, esse comportamento teve origem em comunidades de indivíduos que interagiam em meios ambientes específicos. A cultura e a civilização não podiam ter surgido a partir de indivíduos isolados, não podendo por isso ser reduzidas a mecanismos biológicos e ainda menos a um subconjunto de especificações genéticas. A compreensão destes fenómenos requer não só a biologia e a neurobiologia, mas também as ciências sociais.

In «O Erro de Descartes – Emoção, razão e cérebro humano» (com o novo prefácio «Regresso ao Erro de Descartes»), de António Damásio (adaptado para a língua portuguesa por António Damásio, com revisão de Pedro Ernesto Ferreira), Temas e Debates (Círculo de Leitores), Lisboa, Setembro de 2011 (esta edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).

segunda-feira, 20 de maio de 2013

«Aprender a não ser velho», de Polybio Serra e Silva


Em “Aprender a não ser velho”, o Autor, na primeira parte, depois dum sumário retrato de “grandes” personalidades, já falecidas, que admira por terem sabido envelhecer activamente, tece idênticas considerações a propósito de algumas, felizmente, ainda no “reino dos vivos” e deambula pelos meandros do envelhecimento saudável e do envelhecimento activo, procurando distinguir entre “velho cronológico” e “velho fisiológico”; e, na segunda parte, diz que, para “saber envelhecer”, quatro coisas poderemos aprender:

Em primeiro, a não fumar;
em segundo, a saber beber;
em terceiro, a caminhar;
e, em quarto, a saber comer.

Todo o texto é escrito em quadra popular ou em prosa rimada, sem, por tal razão, perder a fidelidade científica.

ONZE LUSTROS A LUTAR PELA PREVENÇÃO VASCULAR
Polybio Serra e Silva, há 15 anos jubilado como professor catedrático da Universidade de Coimbra, foi, durante vários anos, director clínico duma casa de repouso para velhos, tendo vivido, durante 55 anos, a prevenção da qualidade de vida, como uma obsessão, só esperando, como gratificação, a convicção da missão cumprida; razão porque se sente gratificado por o Ministério da Saúde ter reparado no que fez em prol da comunidade e de recentemente o ter galardoado com uma “vitualha, um tesouro”: a Medalha de Serviços Distintos, Grau “Ouro”.
.......................................

FICHA TÉCNICA:
Autor: Polybio Serra e Silva
Prefácio: Fernando de Pádua
Capa: Ilustração concebida por Fernando Jorge
Fotos: Colaboração especial de Rui Pires e do repórter fotográfico Carlos Jorge Monteiro
Editora: Mar da Palavra - Edições, L.da
PVP: 15,90 €
N.º de páginas: 92
Formato: 14,5 x 21,0 cm
ISBN: 972-8910-62-4 (EAN: 978-972-8910-62-4)
.......................................

sexta-feira, 17 de maio de 2013

O PENSAMENTO É FEITO DE IMAGENS

António Damásio – Imagem retirada de http://sabermaiscomnabeiro.blogspot.pt
É habitual dizer-se que o pensamento não é feito apenas de imagens, que também é constituído por palavras e por símbolos abstratos não imagéticos. É claro que ninguém vai negar que o pensamento inclui palavras e símbolos. Mas o que a afirmação habitual não dá conta é do facto de tanto as palavras como os outros símbolos serem baseados em representações topograficamente organizadas, e serem eles próprios imagens. A maioria das palavras que utilizamos na nossa fala interior, antes de dizermos ou de escrevermos uma frase, existe sob a forma de imagens auditivas ou visuais na nossa consciência. Se não se tornassem em imagens, por mais passageiras que sejam, não seriam nada que pudéssemos saber. Isto é verdade até mesmo para aquelas representações topograficamente organizadas que não são acedidas à luz límpida da consciência, mas que são ativadas de forma oculta. Sabemos, através de experiências de priming, que embora estas representações sejam processadas de modo não consciente podem influenciar o curso do processo de pensamento e até irromperem na consciência, um pouco mais tarde. (Priming consiste em ativar uma representação de forma incompleta e pré-consciente.)

In «O Erro de Descartes – Emoção, razão e cérebro humano» (com o novo prefácio «Regresso ao Erro de Descartes»), de António Damásio (adaptado para a língua portuguesa por António Damásio, com revisão de Pedro Ernesto Ferreira), Temas e Debates (Círculo de Leitores), Lisboa, Setembro de 2011 (esta edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).

À PROCURA DE UMA EXPLICAÇÃO

António Damásio – Foto retirada de http://cienciaemportugal.blogspot.pt/
[…] Primeiro, chegar a uma decisão sobre um problema pessoal típico, colocado em ambiente social, que é complexo e cujo resultado final é incerto, requer tanto o amplo conhecimento de generalidades como estratégias de raciocínio que operem sobre esse conhecimento. O conhecimento geral inclui factos sobre objetos, pessoas e situações do mundo exterior. Mas como as decisões pessoais e sociais se encontram inextricavelmente ligadas à sobrevivência, esse conhecimento inclui também factos e mecanismos relacionados com a regulação do organismo como um todo. As estratégias de raciocínio giram à volta de objetivos, opções de ação, previsões de resultados futuros e planos para a implementação de objetivos em diversas escalas de tempo.
Segundo, os processos da emoção e dos sentimentos fazem parte integrante da maquinaria neural para a regulação biológica, cujo cerne é constituído por controlos homeostáticos, impulsos e instintos.
Terceiro, devido ao design do cérebro, o conhecimento geral necessário para as decisões depende de vários sistemas localizados, não apenas numa única região mas em regiões cerebrais relativamente separadas. Uma grande parte de tal conhecimento é expressa sob a forma de imagens em diversos locais do cérebro. Embora tenhamos a ilusão de que tudo se reúne num único teatro anatómico, dados recentes sugerem que tal não é o caso. É provável que a ligação entre as diferentes partes da mente provenha da relativa sincronia de actividade em locais diferentes.
Quarto, visto o conhecimento só poder ser recuperado, de forma distribuída e parcelar, a partir de diversos locais em vários sistemas paralelos, a operação das estratégias de raciocínio requer a manutenção ativa da representação de miríades de factos numa ampla exposição paralela durante um período de tempo de vários segundos. Por outras palavras, as imagens sobre as quais nós raciocinamos (imagens de objetos específicos, ações e esquemas relacionais; imagens de palavras que ajudam a tudo traduzir sob a forma de linguagem) não só devem estar em realce – algo que é obtido pela atenção – como devem também permanecer ativas na mente – algo que é realizado pela memória de trabalho.

In «O Erro de Descartes – Emoção, razão e cérebro humano» (com o novo prefácio «Regresso ao Erro de Descartes»), de António Damásio (adaptado para a língua portuguesa por António Damásio, com revisão de Pedro Ernesto Ferreira), Temas e Debates (Círculo de Leitores), Lisboa, Setembro de 2011 (esta edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Consumir menos por usar de novo

Imagem retirada de http://noticias.portalbraganca.com.br
Uma parte demasiado importante dos problemas que temos de enfrentar resulta directamente do consumo desregrado dos recursos finitos da Terra. Portanto, cada um de nós pode fazer a diferença, basta seguir a máxima: «reduzir, reutilizar, reciclar». Significa consumir menos por usar de novo, reparar e reciclar o que já se tem, procurar métodos simples para reduzir o consumo e para alterar as fontes de energia e de outros recursos que usamos no dia-a-dia. Todos podemos fazer mudanças simples mas eficazes na nossa maneira de viver, mudanças que podem limitar o nosso impacte negativo sobre o planeta.

In «As ameaças do mundo actual», de Chris Abbott, Paul Rogers e John Sloboda (traduzido do original «Beyond Terror», por Saul Barata), Editorial Presença, Lisboa, 2007.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

A política da água

Imagem retirada de noseaquimica.blogspot.com
Sem sairmos das questões relacionadas com a obtenção de recursos naturais, verificamos que a rivalidade para obtenção de petróleo não é caso único. Em algumas regiões do mundo, as preocupações quanto ao abastecimento de água são igualmente prementes. É de prever que a escassez de água possa vir a ser usada como «instrumento» em conflitos internacionais que tenham começado por qualquer outra razão. Estas questões mostrarão tendência a piorar devido aos efeitos das alterações do clima, que não deixarão certamente de reduzir a quantidade de água disponível em diversas zonas do mundo onde este bem já é escasso.
A «política da água» já tem o seu papel nos conflitos que afectam algumas regiões do mundo, especialmente no Médio Oriente (onde Israel, por exemplo, tomou medidas contra a Síria e o Líbano para assegurar os fornecimentos do rio Jordão). Se os níveis actuais de consumo de água doce estão bem acima do sustentável, a situação tende a piorar. O aumento da população exigirá níveis de abastecimento muito superiores aos actuais, pelo que as tensões deverão acumular-se sempre que mais de um país dependa da mesma água.
A título de exemplo, o Nilo corre através de dez países, onde metade da população vive abaixo da linha de pobreza. Espera-se que a população a viver na bacia do Nilo duplique nos próximos vinte e cinco anos, o que criará novas tensões. O Egipto e o Sudão detêm amplos direitos sobre as águas do rio e têm manifestado relutância em renegociar tratados com outros Estados ribeirinhos.
Outro exemplo do mesmo tipo de tensões é a situação entre Israel e a Palestina, onde ambas as populações dependem do acesso a várias das mesmas fontes de água, especialmente das águas das chuvas que caem sobre os montes da Margem Ocidental.
A água é uma fonte de segurança e prosperidade, mas é um líquido com tendência a escassear, um problema que poderá vir a afectar a produção de bens alimentares em certas zonas, criando tensões capazes de desencadear conflitos armados, a menos que haja uma estrita observância das leis que regulam o seu uso e sejam conseguidos acordos multilaterais para a  gestão dos recursos hídricos.

In «As ameaças do mundo actual», de Chris Abbott, Paul Rogers e John Sloboda (traduzido do original «Beyond Terror», por Saul Barata), Editorial Presença, Lisboa, 2007.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Armazenar imagens e evocar imagens

António Damásio – Foto retirada de http://gritodemudanca.blogspot.pt/
As imagens não são armazenadas sob a forma de fotografias fac-similadas de coisas, de acontecimentos, de palavras ou de frases. O cérebro não arquiva fotografias polaróide de pessoas, objectos, paisagens; nem armazena fitas magnéticas com música e fala; não armazena filmes de cenas da nossa vida; nem retém cartões com «deixas» ou mensagens de teleponto do tipo daquelas que ajudam os políticos a ganhar a vida. Em resumo, não parece existirem imagens do que quer que seja, que fiquem permanentemente retidas, mesmo em miniatura; não há microfichas, microfilmes nem cópias em papel. Dada a grande quantidade de conhecimento que adquirimos durante a vida, qualquer tipo de armazenamento fac-similar colocaria provavelmente problemas incomportáveis de capacidade. Se o cérebro fosse como uma biblioteca convencional, esgotaríamos as suas prateleiras à semelhança do que acontece nas bibliotecas convencionais. Além disso, o armazenamento fac-similar coloca também problemas difíceis relativamente à eficiência do acesso à informação armazenada. Todos nós possuímos provas concretas de que, sempre que recordamos um dado objeto, um rosto ou uma cena, não obtemos uma reprodução exata, mas antes uma interpretação, uma nova versão reconstruída do original. Mais ainda, à medida que a nossa idade e experiência se modificam, as versões da mesma coisa evoluem. Nada disto é compatível com a ideia de uma representação fac-similar rígida, tal como foi notado pelo psicólogo britânico Frederic Bartlett há várias décadas, quando pela primeira vez propôs que a memória é essencialmente reconstrutiva.
No entanto, a negação de que fotos permanentes do que quer que seja possam existir no cérebro tem de ser reconciliada com a sensação, que todos nós partilhamos, de que podemos evocar, nos «olhos» ou «ouvidos» da nossa mente, imagens aproximadas do que experimentámos anteriormente. O facto de estas aproximações não serem exatas, ou de serem menos vívidas que as imagens que tencionam reproduzir, não é uma contradição.

In «O Erro de Descartes – Emoção, razão e cérebro humano» (com o novo prefácio «Regresso ao Erro de Descartes»), de António Damásio (adaptado para a língua portuguesa por António Damásio, com revisão de Pedro Ernesto Ferreira), Temas e Debates (Círculo de Leitores), Lisboa, Setembro de 2011 (esta edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).

Imagens do agora, imagens do passado e imagens do futuro

António Damásio – Foto retirada de http://www.maiseducativa.com
O conhecimento factual que é necessário para o raciocínio e para a tomada de decisões chega à mente sob a forma de imagens. Debrucemo-nos agora sobre o possível substrato neural dessas imagens.
Se olhar pela sua janela para a paisagem de outono, se ouvir a música de fundo que está a tocar, se deslizar os seus dedos por uma superfície de metal lisa ou ainda se ler estas palavras, linha após linha, até ao fim da página, estará a formar imagens de modalidades sensoriais diversas. As imagens assim formadas chamam-se imagens percetivas.
Mas pode agora parar de prestar atenção à paisagem, à música, à superfície metálica ou ao texto, e desviar os seus pensamentos para outra coisa qualquer. Talvez esteja agora a pensar na sua tia Maria, na Torre Eiffel, ou na voz do Plácido Domingo ou naquilo que acabei de dizer acerca de imagens. Qualquer desses pensamentos é também constituído por imagens, independentemente de serem compostas sobretudo por formas, cores, movimentos, sons ou palavras faladas ou omitidas. Essas imagens, que vão ocorrendo à medida que evocamos uma recordação de coisas do passado, são conhecidas como imagens evocadas, para poderem ser distinguidas das imagens de tipo percetivo.
Ao utilizarmos imagens evocadas podemos recuperar um determinado tipo de imagem do passado, a qual foi formada quando planeámos qualquer coisa que ainda não aconteceu mas que esperamos que venha a acontecer. Enquanto o processo de planificação se desenrolou, estivemos a formar imagens de objectos e de movimentos e a consolidar a memorização dessa fição na nossa mente. A natureza das imagens de algo que ainda não aconteceu, e que pode de facto nunca vir a acontecer, não é diferente da natureza das imagens acerca de algo que já aconteceu e que retemos. Elas constituem a memória de um futuro possível e não do passado que já foi.
Estas diversas imagens – percetivas, evocadas a partir do passado real e evocadas a partir de planos para o futuro – são construções do cérebro do nosso organismo. Tudo o que se pode saber ao certo é que são reais para nós próprios e que há outros seres que constroem imagens do mesmo tipo. Partilhamos com outros seres humanos, e até com alguns animais, as imagens em que se apoia o nosso conceito do mundo; existe uma consistência notável nas construções que diferentes indivíduos elaboram relativas aos aspetos essenciais do ambiente (texturas, sons, formas, cores, espaço). Se os nossos organismos fossem desenhados de maneiras diferentes, as construções que nós fazemos do mundo que nos rodeia seriam igualmente diferentes. Não sabemos, e é improvável que alguma vez venhamos a saber, o que é a realidade «absoluta».

In «O Erro de Descartes – Emoção, razão e cérebro humano» (com o novo prefácio «Regresso ao Erro de Descartes»), de António Damásio (adaptado para a língua portuguesa por António Damásio, com revisão de Pedro Ernesto Ferreira), Temas e Debates (Círculo de Leitores), Lisboa, Setembro de 2011 (esta edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).