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sexta-feira, 27 de julho de 2012

Con toda la mar detras

curtapoesia.blogspot.com
Con toda la mar detras, do disco «Palabra por Palabra» (1972), de Patxi Andion
http://www.youtube.com/watch?v=E3IoeiLBems&feature=relmfu

Com António Sérgio...


“Chamo «cultura», no sentido absoluto, à faculdade de nos desprendermos do nosso ser biológico, do eu individual, acanhado, restrito, de todos os limites que tendem sempre a impor-nos as condições particulares de espaço e de tempo, do «aqui» e do «agora», - e dos acidentes de classe, de partido, de nação, de raça; ao dom de dessubjectivarmos a nossa vida psíquica, o nosso pensar espontâneo; ao de tendermos para um nível de racionalidade perfeita, - para o nível do divino, se acharem assim preferível, - na maneira de julgar e de actuar no mundo. É em suma o equivalente, no pensar racional, do que chamam os místicos a «união com deus»; é o processo de divinização do ser anímico; é a completa efectuação daquele dizer do Evangelho: «todo o que procura salvar a sua vida» (isto é: o que se ativer ao âmbito da vida individual limitada, essa mesma que está presa ao nosso condicionamento biológico) «perdê-la-á; e todo o que a perder, salvá-la-á» (isto é: poderá constituir, por tal desprendimento, a sua personalidade racional, - a que é absoluta, desenleada, sobrepairante, una, sendo, por isso mesmo, livre). Ser culto é, ao cabo de contas, o pensarmos sub species aeternitatis, de que falou na Ética o Espinosa. Estou eu em crer que seremos cultos na medida exacta em que formos largos, compreensivos, liberais, amantes; […]”
- António Sérgio, Cartas do Terceiro Homem, in Democracia, Lisboa, Sá da Costa, 1974, p.354.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Hoje é o Dia do Escritor!

«Acho que também é o meu dia», diz João Negreiros

«é agora que os mato agora»: curta-metragem de Sérgio Castro, com poema do livro «a verdade dói e pode estar errada». Esperamos que gostem!

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Separaçon



Foto de Marco Paoluzzo



















A casa
de viver
já não é casa

O homem embala risos
indiferentes
nos livros

nas músicas 
nos sonhos

                   Em ti
sou eu a sair
        do meu tempo de morna.

Os meninos
gritam
mais que
os outros meninos do mundo
Os meninos
batem nas caixas
vazias
de tudo quanto encontram
Os meninos
da Praia
são meninos
sinos
musicais
sonoros sinos.

(in «Paralelismos», de Margarida Gama de Oliveira)
...................
Manuel de Candinho - Menino pobre / Cabo Verde:

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Dia para recordar Matilde Rosa Araújo

(20/6/1921 - 6/7/2010)


Quais as personagens de que se sentiu mais próxima?
Talvez o Joaquim n’ O Sol e o Menino dos Pés Frios [Livros Horizonte, 2001], um rapazinho que conheci na praia do Campelo, muito pobre, que ia para a praia vender moinhos.
Punha uma cana de moinhos, daqueles de papel de lustro, enterrada na areia e conversava comigo; um rapaz que era uma alegria. Depois, íamos tomar banho. Ele era pequenino, tinha oito anos nessa altura. Foram dois anos seguidos. Lá aparecia o Joaquim... Está aqui o retrato dele, por acaso. E o Joaquim dizia que os pais andavam de feira em feira, e que ele dormia à beira da estrada, numa taberna, num estabelecimento qualquer que o acolhia… Eu fiquei com a morada do Joaquim, ajudei no pouco que podia, porque era uma criança com uma alegria, ensinava tanto no seu ser de criança, era maravilhoso! A alegria com que ele rompia a água do mar; o mar e a criança, era lindo… O Joaquim escreveu-me ainda umas cartinhas muito de menino e depois deixou de escrever. Passado muito tempo, muitos anos, eu pensava «O que será feito do Joaquim?», até que se aproximou o tempo em que ele já podia ir para a guerra. «Teria ido para a guerra?», pensava, «coitado do Joaquim…» Um dia, passados já anos, vinha eu do magistério primário, da escola, o meu pai estava em casa, já doente, e disse-me: «Olha que quem veio bater à porta à tua procura foi o Joaquim.» O Joaquim! Tinham passado tantos anos, e era realmente o Joaquim. «Mas diz que não te encontrou, andou a rua toda – e esta rua nunca mais tem fim – e que não te encontrou. Até que, enfim, bateu aqui à porta, onde havia uma Matilde – naquele tempo havia poucas Matildes, era nome de velha – e depois ele disse que voltava cá.» E passados uns dias, voltou. O Joaquim estava doente de guerra, aqui no estabelecimento da Artilharia 1, onde acolhiam aqueles que tinham sobretudo problemas psíquicos e de pulmões, consequência triste de um tempo anormal... O Joaquim ficou numa alegria muito grande, e eu numa alegria muito grande por o ver, foi tão bom!
Contou-me a sua vida: «Eu dizia à senhora que os meus pais andavam de terra em terra, mas os meus pais estavam presos; os meus pais não eram pessoas sérias, roubavam e eu não dizia à senhora até com medo que depois me deixasse de falar», e eu disse «Oh homem, eu nunca deixaria de te falar»; «Não?» Compreendi perfeitamente, coitado, o receio e até o pudor de falar dos seus pais nessas circunstâncias. «Hoje o meu pai já morreu e eu tenho em casa a minha mãe, a minha querida mãe, e ainda bem que encontro a senhora, porque os meus pais, com medo que a senhora viesse a saber o que eles eram,
esconderam-me a morada da senhora e eu nunca mais soube de si.» O Joaquim estava doente, queria emigrar e eu disse: «Oh Joaquim, não vais emigrar…» – já estava casado, tinha um filho. Estava muito débil ainda, mas foi um bem ter reencontrado o Joaquim.
Depois, apagou-se de novo na memória – na memória não, na convivência... Há tempos fui a uma escola no Porto, e tinha vindo no jornal que eu ia lá. Estava longe de imaginar o que ia acontecer quando subi os degraus da escola: estava o Joaquim, um homem forte já amadurecido, com um grande ramo de flores para mim; trabalhava bem e tinha a sua mulher, os seus filhos – estava um homem feliz. Talvez a palavra «resgatado» (ele próprio se resgatou da vida) seja um bocado dura, mas foi isso mesmo. Também eu fiquei feliz e comovida. Aí está o Joaquim d’ O Sol e o Menino dos Pés Frios, e o Joaquim que aparece a dar uma flor ao palhaço que está triste na história d’ O Palhaço Verde [Livros Horizonte, 2002]. O Joaquim é um elo da infância que traz paz e esperança.
Consultar: http://www.casadaleitura.org/portalbeta/bo/documentos/vo_matilde_b.pdf