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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

[Em lugar de pudins, livros com dinamite dentro], registo diarístico de Miguel Torga

LAS COLUMNAS DE FUEGO DEL MARQUÉS DE SADE -Imagem encontrada em www.clarin.com

Coimbra, 25 de Maio – O Marquês de Sade. Um calafrio que só as leituras proibidas dão. A gente volta cada página arrepiado, com a sensação de que está a meter a alma no Inferno. E é essa inquietação que todos os livros deviam provocar. Uma incerteza, um pavor crescente, um medo de cada vírgula. A segurança burguesa de que as suas leituras foram previamente policiadas, e de que tudo o que soletra é castílhico, canónico, arcádico, só pode degradar o espírito. O homem necessita do pecado para viver, como de especiarias para comer. Julgo mesmo que o futuro se esforçará por contrariar cada vez mais a sonolência beócia das páginas cor-de-rosa. Em lugar de pudins, livros com dinamite dentro.
Sade. Nunca lhe tinha posto a vista em cima, e li-o com a emoção dum garoto que está a roubar pêras num quintal. Quanto à pornografia, há comunicados oficiais piores.

In «Diário (5.º volume)», de Miguel Torga, edição de autor, Coimbra, 1974 (3.ª edição, revista).

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