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terça-feira, 30 de agosto de 2016

«Na biblioteca», poema de Manuel António Pina

Manuel António Pina – Foto de Alfredo Cunha
(encontrada em https://novaziodaonda.wordpress.com)

O que não pode ser dito
guarda um silêncio
feito de primeiras palavras
diante do poema, que chega sempre demasiadamente tarde,

quando já a incerteza
e o medo se consomem
em metros alexandrinos.
Na biblioteca, em cada livro,

em cada página sobre si
recolhida, às horas mortas em que
a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro,

as palavras dormem talvez,
sílaba a sílaba,
o sono cego que dormiram as coisas
antes da chegada dos deuses.

Aí, onde não alcançam nem o poeta
nem a leitura,
o poema está só.
E, incapaz de suportar sozinho a vida, canta.

In «Poesia, Saudade da Prosa – Uma antologia pessoal», de Manuel António Pina, Colecção «grãos de pólen» (n.º 12), Assírio & Alvim, Lisboa, Maio de 2011 (1.ª edição).

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