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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

"Penedo da Saudade - História e tradição", de Mário Nunes, com fotografia de Liliana Machado e Luís Carregã (e prefácio de Regina Anacleto)


Pedra do Vento, Pedras dos Ventos, Penedo do Vento são denominações que, desde 1207, toponizaram o designado Penedo da Saudade. Escrituras de compra e venda respeitantes a olivais, vinhas, hortas e canaviais testemunham esses nomes que prevalecem ainda em 1764. Porém, a partir do século XVI, autores quinhentistas, a exemplo de Pedro Álvares Nogueira e Francisco Rodrigues Lobo, utilizam já o topónimo Penedo das Saudades (plural). Somente em 1849, numa expropriação de terreno que a Câmara efectuou, “para se alargar a entrada e aformosear este histórico passeio”, se escreve o nome Penedo da Saudade, designação que jamais foi alterada. Há também a tradição de que D. Pedro encontrava neste lugar o refúgio certo para carpir as suas saudades de Inês de Castro, pelo que teria sido ele a dar à Pedra do Vento o nome de Penedo da Saudade. Mas é tradição. Como tal, passou de geração em geração. E o D. Pedro ficou, para sempre, associado ao topónimo.

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À GUISA DE INTRÓITO

A recordação de Pedro e de Inês espraia-se por todos os recantos da cidade do Mondego, mas se, por um lado, evoca a saudade, a tristeza ou a dor, por outro, lembra, também, a paixão e o amor. Talvez, por isso, Coimbra seja estigmatizada por este espírito que se materializa, e de forma muito específica, no Penedo da Saudade, lugar outrora ermo, coberto de verdes salpicados por flores “brancas, roxas, róseas, açafroadas, rubras”, onde Pedro se encontrava com a solidão para chorar a morte da sua amada.
Local cercado de paisagens majestosas que a saudade da luz enchia de imensa ternura, permitia, ainda não há muitos anos, afagar com o olhar os horizontes cheios de encanto, contemplar as montanhas que se desdobravam ao longe num cenário magnífico, observar os campos que contavam triunfos prodigiosos de colorido e vislumbrar as doces águas do Mondego a passarem por ali tão recolhidas e silenciosas, que mal se percebiam por entre a alta cortina dos salgueiros.
Aos pés do Penedo, desse enorme e escarpado pedregulho, estendiam-se “os vales onde os maciços das oliveiras e das laranjeiras [eram] ridente solar das avezitas que noiva[va]m, e abrigo amorável de ninhos tépidos onde rufia[va]m asas pequeninas”; podia ainda sentir-se a “religiosa melancolia dos entardeceres”, invadindo a alma desse tão dulcíssimo quanto amargo sentimento que é a saudade.
E, da saudade, se ficou a denominar este local onde a solidão tinha um ambiente de sonho e/ou de mistério; ali, os poetas fizeram esculpir, em pedras toscas, a que se alisou uma das faces, os seus versos e os estudantes grafitavam nas pedras do passado os amores longínquos e, quiçá, mal correspondidos, mais tarde recordados na “Sala dos Cursos” onde vinham sempre, em romaria, os que ontem abandonaram Coimbra cheios de esperanças e de mocidade.
O local tem vindo, mais do que paulatinamente, a descaracterizar-se: o vandalismo dos homens arremeteu não só contra a paisagem, mas também contra a memória “escrita” em pedra ou em bronze. Urgia, pois, preservá-la e Mário Nunes, com este livro, se não conseguiu salvaguardar a paisagem, agenciou defender a lembrança dos muitos que ali são, de uma forma, ou de outra, lembrados; proporcionou às gerações vindouras um meio de compreensão da essência da sua própria história, até porque as comunidades, como tais, necessitam de ancoradouros de memória, de sítios, de valores e de padrões, ou, dito por outras palavras, necessitam de um património que funcione como fundamento da sua consciência e lhes garanta a perspectivação do futuro.As recordações que Mário Nunes colocou em letra de forma materializam a mensagem contida no Penedo da Saudade e o livro permite que não se sumam, na voragem do tempo, as memórias ali existentes, pois fornece identidade aos conimbricenses e a todos quantos passaram por esta cidade e ali imprimiram os ecos da sua mocidade.
A história vive e projecta-se através do passado humano e quanto mais forte, profundo e saudável esse passado for, maior força imprime a essa mesma história, no sentido de ela se poder afirmar com uma vitalidade cada vez mais sólida.
Todos os aglomerados têm, em sentido lato, os seus “monumentos”, que funcionam como âncoras, onde se firma a memória das pessoas e o orgulho das comunidades. São os indicadores da sua identidade e da sua classificação. Dão-lhes segurança, servem-lhes de referência, ajudam-nas a axializar os seus itinerários e incitam-nas a perspectivar o futuro.
É esta a finalidade do livro “Penedo da Saudade”, que a pena de Mário Nunes ora coloca nas mãos de todos nós.

Regina Anacleto
Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de História da Arte
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CAPA: Fotografia de Luís Carregã

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