|
Vladimir Nabokov – foto retirada de http://dianedooley.wordpress.com
|
Os trâmites do divórcio atrasaram a minha viagem, e a sombra
de mais outra guerra mundial descera sobre o globo quando, depois de um Inverno
de tédio e pneumonia em Portugal, cheguei finalmente aos Estados Unidos. Em Nova Iorque aceitei
sem hesitar o calmo emprego que o destino me ofereceu: consistia principalmente
em inventar e compor anúncios de perfumes. Agradou-me o carácter ligeiro e os
aspectos pseudoliterários do trabalho, a que me dedicava quando não tinha nada
melhor que fazer. Por outro lado, uma universidade de tempo de guerra, de Nova
Iorque, instou comigo para que concluísse a minha história comparativa de
literatura francesa para estudantes de língua inglesa. O primeiro volume
ocupou-me uns dois anos, durante os quais raramente trabalhei menos de quinze
horas por dia. Ao recordar esses dias, vejo-os ordenadamente divididos em ampla
luz e sombra estreita: a luz pertencente ao conforto de efectuar pesquisas em
bibliotecas palacianas; a sombra, aos meus angustiantes desejos e insónias, de
que já falei o suficiente.
In «Lolita» (romance), de Vladimir
Nabokov (traduzido por Fernanda Pinto Rodrigues e revisto por José António
Almeida), Colecção “Biblioteca Visão” (n.º 23), ACJ – Abril/Controljornal/Edipresse,
Linda-a-Velha, Julho de 2000 (edição conjunta da revista Visão).
Sem comentários:
Enviar um comentário