Foto retirada de http://www2.dem.uc.pt
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O esplendor poisava solene sobre o
mar. E – entre as duas pedras erguidas numa relação tão justa que é talvez ali
o lugar da Balança onde o equilíbrio do homem com as coisas é medido – quase me
cega a perfeição como um sol olhando de frente. Mas logo as águas verdes em sua
transparência me diluem e eu mergulho tocando o silêncio azul e rápido dos
peixes. Porém a beleza não é solene mas também inumerável. De forma em forma
vejo o mundo nascer e ser criado. Um grande rascasso vermelho passa em frente
de mim que nunca antes o imaginara. Limpa, a luz recorta promontórios e
rochedos. É tudo igual a um sonho extremamente lúcido e acordado. Sem dúvida um
novo mundo nos pede novas palavras, porém é tão grande o silêncio e tão clara a
transparência que eu muda encosto a minha cara na superfície das águas lisas
como um chão.
As imagens atravessam os meus olhos e
caminham para além de mim. Talvez eu vá ficando igual à almadilha da qual os
pescadores dizem ser apenas água.
Estarão as coisas deslumbradas de ser
elas? Quem me trouxe finalmente a este lugar? Ressoa a vaga no interior da
gruta rouca e a maré retirando deixou redondo e doirado o quarto de areia e
pedra. No centro da manhã, no centro do círculo do ar e do mar, no alto do
penedo, no alto da coluna está poisada a rola branca do mar. Desertas surgem as
pequenas praias.
Eis o mar e a luz vistos por dentro.
Terror de penetração na habitação secreta da beleza, terror de ver o que nem em
sonhos eu ousara ver, terror de olhar de frente as imagens mais interiores a
mim do que o meu próprio pensamento. Deslizam os meus ombros cercados de água e
plantas roxas. Atravesso gargantas de pedra e a arquitectura do labirinto paira
roída sobre o verde. Colunas de sombra e luz suportam céu e terra. As anémonas
rodeiam a grande sala de água onde os meus dedos tocam a areia rosada do fundo.
E abro bem os olhos no silêncio líquido e verde onde rápidos, rápidos fogem de
mim os peixes. Arcos e rosáceas suportam e desenham a claridade dos espaços
matutinos. Os palácios do rei do mar escorrem luz e água. Esta manhã é igual ao
princípio do mundo e aqui eu venho ver o que jamais se viu.
O meu olhar tornou-se liso como um
vidro. Sirvo para que as coisas se vejam.
E eis que entro na gruta mais interior
e mais cavada. Sombrias e azuis são as águas e paredes. Eu quereria poisar como
uma rosa sobre o mar o meu amor neste silêncio. Quereria que o contivesse para
sempre o círculo de espanto e de medusas. Aqui um líquido sol fosforescente e
verde irrompe dos abismos e surge em suas portas.
Mas já no mar exterior a luz rodeia a
Balança. A linha das águas é lisa e limpa como um vidro. O azul recorta os
promontórios aureolados de glória matinal. Tudo está vestido de solenidade e de
nudez. Ali eu quereria chorar de gratidão com a cara encostada contra as
pedras.
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