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António Damásio –
Foto retirada de http://www.maiseducativa.com
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Se olhar pela sua
janela para a paisagem de outono, se ouvir a música de fundo que está a tocar,
se deslizar os seus dedos por uma superfície de metal lisa ou ainda se ler
estas palavras, linha após linha, até ao fim da página, estará a formar imagens
de modalidades sensoriais diversas. As imagens assim formadas chamam-se imagens percetivas.
Mas pode agora
parar de prestar atenção à paisagem, à música, à superfície metálica ou ao
texto, e desviar os seus pensamentos para outra coisa qualquer. Talvez esteja
agora a pensar na sua tia Maria, na Torre Eiffel, ou na voz do Plácido Domingo
ou naquilo que acabei de dizer acerca de imagens. Qualquer desses pensamentos é
também constituído por imagens, independentemente de serem compostas sobretudo
por formas, cores, movimentos, sons ou palavras faladas ou omitidas. Essas
imagens, que vão ocorrendo à medida que evocamos uma recordação de coisas do
passado, são conhecidas como imagens evocadas, para poderem ser distinguidas
das imagens de tipo percetivo.
Ao utilizarmos
imagens evocadas podemos recuperar um determinado tipo de imagem do passado, a
qual foi formada quando planeámos qualquer coisa que ainda não aconteceu mas
que esperamos que venha a acontecer. Enquanto o processo de planificação se
desenrolou, estivemos a formar imagens de objectos e de movimentos e a
consolidar a memorização dessa fição na nossa mente. A natureza das imagens de
algo que ainda não aconteceu, e que pode de facto nunca vir a acontecer, não é
diferente da natureza das imagens acerca de algo que já aconteceu e que
retemos. Elas constituem a memória de um futuro possível e não do passado que
já foi.
Estas diversas
imagens – percetivas, evocadas a partir do passado real e evocadas a partir de
planos para o futuro – são construções do cérebro do nosso organismo. Tudo o
que se pode saber ao certo é que são reais para nós próprios e que há outros seres
que constroem imagens do mesmo tipo. Partilhamos com outros seres humanos, e
até com alguns animais, as imagens em que se apoia o nosso conceito do mundo;
existe uma consistência notável nas construções que diferentes indivíduos
elaboram relativas aos aspetos essenciais do ambiente (texturas, sons, formas,
cores, espaço). Se os nossos organismos fossem desenhados de maneiras
diferentes, as construções que nós fazemos do mundo que nos rodeia seriam
igualmente diferentes. Não sabemos, e é improvável que alguma vez venhamos a
saber, o que é a realidade «absoluta».
In «O Erro de
Descartes – Emoção, razão e cérebro humano» (com o novo prefácio «Regresso ao
Erro de Descartes»), de António Damásio (adaptado para a língua portuguesa por
António Damásio, com revisão de Pedro Ernesto Ferreira), Temas e Debates
(Círculo de Leitores), Lisboa, Setembro de 2011 (esta edição segue a grafia do
Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).
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