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António Damásio –
Foto retirada de http://gritodemudanca.blogspot.pt/
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As imagens não
são armazenadas sob a forma de fotografias fac-similadas de coisas, de
acontecimentos, de palavras ou de frases. O cérebro não arquiva fotografias
polaróide de pessoas, objectos, paisagens; nem armazena fitas magnéticas com
música e fala; não armazena filmes de cenas da nossa vida; nem retém cartões
com «deixas» ou mensagens de teleponto do tipo daquelas que ajudam os políticos
a ganhar a vida. Em resumo, não parece existirem imagens do que quer que seja,
que fiquem permanentemente retidas, mesmo em miniatura; não há microfichas,
microfilmes nem cópias em papel. Dada a grande quantidade de conhecimento que
adquirimos durante a vida, qualquer tipo de armazenamento fac-similar colocaria
provavelmente problemas incomportáveis de capacidade. Se o cérebro fosse como
uma biblioteca convencional, esgotaríamos as suas prateleiras à semelhança do
que acontece nas bibliotecas convencionais. Além disso, o armazenamento
fac-similar coloca também problemas difíceis relativamente à eficiência do
acesso à informação armazenada. Todos nós possuímos provas concretas de que,
sempre que recordamos um dado objeto, um rosto ou uma cena, não obtemos uma
reprodução exata, mas antes uma interpretação, uma nova versão reconstruída do
original. Mais ainda, à medida que a nossa idade e experiência se modificam, as
versões da mesma coisa evoluem. Nada disto é compatível com a ideia de uma
representação fac-similar rígida, tal como foi notado pelo psicólogo britânico
Frederic Bartlett há várias décadas, quando pela primeira vez propôs que a
memória é essencialmente reconstrutiva.
No entanto, a
negação de que fotos permanentes do que quer que seja possam existir no cérebro
tem de ser reconciliada com a sensação, que todos nós partilhamos, de que
podemos evocar, nos «olhos» ou «ouvidos» da nossa mente, imagens aproximadas do
que experimentámos anteriormente. O facto de estas aproximações não serem exatas,
ou de serem menos vívidas que as imagens que tencionam reproduzir, não é uma
contradição.
In «O Erro de Descartes – Emoção, razão
e cérebro humano» (com o novo prefácio «Regresso ao Erro de Descartes»), de
António Damásio (adaptado para a língua portuguesa por António Damásio, com
revisão de Pedro Ernesto Ferreira), Temas e Debates (Círculo de Leitores),
Lisboa, Setembro de 2011 (esta edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa).
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