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António
Damásio – Foto retirada de http://portuguese-american-journal.com |
Há milénios que pensadores ocidentais e orientais, religiosos ou não,
conhecem este facto; mais perto da nossa época, o tema preocupou tanto
Descartes como Freud, para referir apenas dois nomes. O controlo das
inclinações animais através do pensamento, da razão e da vontade é o que nos
torna humanos, segundo As Paixões da Alma de Descartes. Estou de acordo
com a sua formulação, só que onde ele especificou um controlo alcançado por um
agente não físico eu vejo uma operação biológica estruturada dentro do
organismo humano que em nada é menos complexa, admirável ou sublime. A criação
de um superego que integraria os instintos nos ditames sociais foi a formulação
encontrada por Freud em O Mal-Estar na Civilização, superego esse que se
encontrava liberto do dualismo cartesiano ainda que não tenha sido explicado em
termos neurais. A tarefa com que se deparam os neurocientistas de hoje é a de
descobrir a neurobiologia que suporta as suprarregulações adaptativas, ou seja,
estudar e compreender as estruturas cerebrais necessárias para se ter um
conhecimento dessas regulações. Não procuro reduzir os fenómenos sociais a
fenómenos biológicos, mas antes debater a ligação entre eles. Quero sublinhar
que, muito embora a cultura e a civilização surjam do comportamento de
indivíduos biológicos, esse comportamento teve origem em comunidades de indivíduos
que interagiam em meios ambientes específicos. A cultura e a civilização não
podiam ter surgido a partir de indivíduos isolados, não podendo por isso ser
reduzidas a mecanismos biológicos e ainda menos a um subconjunto de
especificações genéticas. A compreensão destes fenómenos requer não só a
biologia e a neurobiologia, mas também as ciências sociais.
In «O
Erro de Descartes – Emoção, razão e cérebro humano» (com o novo prefácio
«Regresso ao Erro de Descartes»), de António Damásio (adaptado para a língua
portuguesa por António Damásio, com revisão de Pedro Ernesto Ferreira), Temas e
Debates (Círculo de Leitores), Lisboa, Setembro de 2011 (esta edição segue a
grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).