A editora Mar da Palavra e a Autora, Lina Céu Brito
Canhão Martins de Carvalho, convidam V.ª Ex.ª para a sessão de lançamento do
livro As Paralelas Assimétricas (com prefácio do médico e
escritor Joaquim Manuel Pinto Serra), no dia 21 de Maio de 2015, pelas 18h00,
na Casa Municipal da Cultura de Coimbra (na Sala Polivalente), à Rua Pedro
Monteiro.
A obra de ficção (contos) será apresentada pela Dr.ª
Maria Teresa Cid (professora do ensino secundário e universitário) e pelo
prefaciador, sendo a sessão também animada com música clássica, por jovens
instrumentistas.É uma empresa jornalística e editorial e tem por objecto a edição e a divulgação de publicações e suportes multimédia sobre saúde e de carácter científico, pedagógico, cultural e artístico, assim como a realização de iniciativas relacionadas com a informação e a formação no domínio da saúde, clínica, investigação médica e científica, além das vertentes cultural e artística, tendo em conta o seu interesse multidisciplinar e a sua apetência para estratégias de parceria.
quinta-feira, 30 de abril de 2015
segunda-feira, 20 de abril de 2015
AS PARALELAS ASSIMÉTRICAS, ficção (contos) de Lina Céu
Um prefácio, como palavras prévias de uma obra literária, não deve ter funções críticas ou interpretativas e, muito menos, de orientação a quem se propõe saborear um livro em momentos de entrega e apaziguamento.
Por isso, esta nota introdutória
serve apenas de apresentação à segunda colectânea de contos de Lina Céu, ou
melhor de narrativas, já que, à semelhança do primeiro volume – «Histórias de
Cá e de Lá» –, não tendo a estrutura do conto, tal como a concebemos, nos
mostra aspectos descritivos de acontecimentos e vivências no tom coloquial de
um informal diálogo com o leitor.
Não sendo uma obra para ser lida em
momentos lúdicos de passar o tempo, ela leva-nos por caminhos em que o
pensamento emerge da rotineira letargia e vai até onde a razão nos concede o
engenho do sonho e da evasão.
Dúvidas psicológicas, enredando-nos
numa tela policromática (ou não fosse Lina Céu uma pintora), conduzem-nos pelos
sinuosos artifícios do inexplicável e da ideação subjacente à descoberta do
destino, do acaso ou das soluções mais metafísicas, porventura sobrenaturais.
O leitor é colocado pela autora na
posição de quem tenta descodificar e resolver os temas oferecidos por Lina Céu,
nas dúvidas e sortilégios que nos propõe. Como uma teia envolvendo o esotérico
mundo da imaginação e da autobiografia, os exercícios ficcionistas de avanços e
retrocessos desta obra tornam-na numa assimétrica intimidade no mundo que nos
rodeia e onde vivemos.
Lina Céu, ao contrário de quase todos
os ficcionistas que procuram na poesia o êxtase dos seus problemas mais
existenciais, alimenta esses problemas com a prosa de um modo tão subtil
como inconformista.
A autora, com este livro, procura
no leitor um cúmplice para as suas próprias congeminações. E consegue-o com a
arte que lhe conhecemos nas obras que, entretanto, vai colocando à nossa
disposição.
Joaquim Manuel Pinto Serra
(médico psiquiatra e escritor)
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AUTORA:
AUTORA:
Lina Céu Brito Canhão
Martins de Carvalho viveu a infância e juventude em Algés (concelho de Oeiras)
e reside em Coimbra. Licenciada em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa, fez carreira como professora do ensino secundário no
Porto e em Coimbra. Frequentou cursos em universidades do Reino Unido e da
Alemanha, como bolseira do Instituto Alemão e da Fundação Calouste Gulbenkian,
onde também trabalhou como revisora de traduções.
Publicou poemas na rubrica de
imprensa Antologia de Revelações, dirigida pelo crítico literário João
Gaspar Simões. Obteve prémios literários e publicou sonetos e demais em vários
periódicos.
É membro da Associação Portuguesa
de Poetas (APP), da Sociedade de Língua Portuguesa (SLP) e também sócia
efectiva da Associação Portuguesa de Escritores (APE).
Depois das obras Terra Rasgada
(poesia, em 2008), Histórias de Cá e de Lá (contos, em 2010), A Raiz
e o Fruto – Sessenta sonetos em dois andamentos com pausa (poesia, em
2012), As Árvores Nuas (poesia, em 2013, com a chancela da Mar da
Palavra), As Paralelas Assimétricas
(contos) é o quinto livro da autora, novamente publicado pela editora Mar da
Palavra.
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FICHA TÉCNICA
Autor: Lina Céu (com prefácio de Joaquim Manuel Pinto Serra)FICHA TÉCNICA
Capa: Reprodução de pintura de Lina Céu
Editora: Mar da Palavra - Edições, L.da
PVP: 16,96 €
N.º de páginas: 152
Formato: 14,7 x 21,0 cm
ISBN: 972-8910-69-3 (EAN: 978-972-8910-69-3)
sexta-feira, 10 de abril de 2015
“Mas eram mesmo de Infantaria 16?”, excerto de romance de Fernando Madaíl
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O rei D Carlos I no regimento de Infantaria 16, em 15 de Maio de 1907 |
“Os
republicanos nem sequer tomaram os quartéis da Guarda Municipal do Carmo, da Estrela,
dos Paulistas, de Alcântara”, lamentava o estivador Roberto Florival, que tinha
ido tomar, ao princípio da noite, um banho de limpeza de segunda classe, mas
com direito a toalha, aos Banhos de São Paulo, onde vira à entrada uns senhores
de chapéus tão altos que davam a sensação de não terem fim e muito bem
encadernados, não percebendo que eram os líderes políticos da revolta. “Depois,
também não conseguiram ocupar o Rossio – e o comando da Divisão Militar de Lisboa,
no Largo de São Domingos, que é o Quartel-General dos realistas. Estão ali
Caçadores 5, mais as suas metralhadoras, que não hesitam em disparar contra
farda inimiga, camisa azul de operário ou veston
elegante de rico; e o melhor regimento do país, que é a Infantaria 5”, bazofava
Flávio Lico, que tinha a mania de dizer que só pagava as dívidas em libras
esterlinas e até se vangloriava de ter ido à grande corrida de Darraqcs e Locomobiles e Peugeots no
Autódromo D. Amélia.
“De
resto, já nem há oficiais na Rotunda! Fugiram todos em automóveis. Ainda houve
uns populares que queriam que os mandassem fuzilar!”, tagarelava, como se
estivesse num exame oral, Necas Romão, o soberbo estudante de Coimbra, tentando
que ninguém suspeitasse de que tinha sido desprezado pelas tricanas Olívia,
Palmira e Quitéria. A seu lado, nada proferia Coriolano Fragoso, outro galante
aluno da Universidade, com a mania de trautear cantigas conimbricenses, com
versos de Veiga Simões ou de Vicente Arnoso ou de Octaviano de Sá ou de Adelino
Veiga. “Coimbra ficava no Norte ou no Sul?”, matutava Amélia.
“Hein?!
Tenha respeito! Há lá gente com medalhas do Ultramar e divisas de atirador
especial no braço direito. Não são propriamente ferradores dos cavalos que
puxam os canhões”, insurgiu-se a voz, viril como uma coronhada, de Pinho
Barros, capitão reformado, que passara o tempo militar entretido a jogar gamão
ou whist e que – ninguém o suspeitava
na rua –, a dar crédito ao que juravam os seus inimigos políticos, era incapaz
de distinguir uma carabina Francotte
de uma metralhadora Manenlicher.In «A Costureira Sem Cabeça» (romance), de Fernando Madaíl, colecção «Portugal Sem Fim» (dirigida por José Manuel Barata-Feyo, em parceria com a AMI), Oficina do Livro (grupo LeYa), Fevereiro de 2011 (1.ª edição).
“Ao que isto chegou?! Até assassinaram o bom do Dr. Miguel Bombarda”, excerto de romance de Fernando Madaíl
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Foto encontrada em http://www.centenariodarepublica.org/
|
“Ao
que isto chegou?! Até assassinaram o bom do Dr. Miguel Bombarda”, desabafava
Capitolina Perestrelo, com a sua testa preocupada e ainda de luto pelo filho,
pacato caixeiro de loja de ferragens abatido na confusão do Terreiro do Paço,
na manhã em que, dois anos antes, tinham baleado D. Carlos e o príncipe real D.
Luís Filipe. “E ninguém se lembra já que também mataram, há uns cinco anos, o
Dr. Refóios, outro médico ilustre e lente em Coimbra”, acrescentava Francisco
Amaral, blusa de riscado azul, mirantes de afastar intruso e espessa bigodeira.
“Por
onde andará o meu filhinho?...”, lamuriava-se Rosalina Gertrudes, que tinha ido
encher um cântaro no chafariz de pedra e era conhecida por fazer meia-desfeita
de bacalhau e grão com espinafres tão bem como os galegos das melhores casas de
pasto. “O-o-ora! Vá à f-a-v-a!”, gaguejava, por causa dos nervos, Zilda Cabanas,
a menina dos crochets e do odor a
alecrim, sem paciência para ouvir mães-galinha. “Pois sim, rala-te!”, dava a sensação
de lhe estar a responder a esfíngica Laura Mayer, enquanto pisava as folhas
secas dos plátanos que começavam a forrar passeios e empedrado, onde se
misturavam com outras folhas caducas das árvores citadinas.
“A
culpa é da padralhada! E, sobretudo, desses debochados jesuítas! A mão secreta
dessa gente, que usa saias como as mulheres”, espumava o ferreiro Zé Maria
Galvão, organizador de excursões num grémio do Partido Republicano. “Abrenúncio!
Seus incréus! Isto é a ira de Deus, que Lisboa é uma Gomorra”, vociferava o
sacristão João Franco – e ninguém duvidaria da ciência médica de Artur Leitão,
autor do livro Um Caso de Loucura Epiléptica,
em que diagnosticava, à distância e com preconceito ideológico, o
ex-primeiro-ministro. “Não querem ver este recolhe-côngruas, este vendedor de
santinhos coloridos, este inútil que vive à conta dos analfabetos”, implicava,
numa voz de trovão, Judas Cafeteiro, que tinha apedrejado, na tarde da véspera,
mal se soubera do assassínio de Miguel Bombarda, a redacção do jornal católico Portugal, que ficava num segundo andar
da Rua Garrett.
“Credo!
Vem aí o Anticristo!”, e quase dava um fanico a Emília Fontinha, mulheraça
loura e de nevralgias simuladas para obter mimos e presentes do marido, o Tó
Alcobia, um enjeitado da roda, com feições aristocratas e o tique de mexer nos
cabelos. “Olha-me esta!”, comentava a Faustina Alcoviteira, sorriso malicioso
de quem conhece perfumes e podres de toda a vizinhança. “Isto é tudo uma grande
paródia!”, lançava Hipólito Lamas, barba ruiva e olhar perturbado, que diziam
ter sido atingido pelo “micróbio da loucura”. “Ai! Ai!”, piava Mena Nascimento,
no seu xaile de franjas, chinelos de ourelo e saia remendada. “Parem lá com
essa cantoria!”, resmungava, sem companhia das guitarras, a voz argentina da
fadista Cacilda.
Naquele
bairro tanto havia assinantes fidelíssimos do periódico monárquico por
excelência, o Correio da Manhã, como
leitores assíduos da folha republicana A
Vanguarda, sem esquecer os que exibiam o governamental Diário Ilustrado e os que brandiam o anarquista Amanhã – “ou o sindicalista A Greve? Não! Esse só tinha sido
publicado uns meses em 1908…” –, embora a maioria preferisse mesmo os menos
políticos Diário de Notícias e Jornal do Comércio. E, como tinha escrito no seu
programa um semanário de província – “qual teria sido? Ah! Esta minha cabeça!
Só servirá para pôr chapéu?...” –, convenientemente lançado a partir da
capital, “o livro é para sábios ou para estudiosos; o jornal é para toda a
gente. Serve de cartilha ao analfabeto, de recreio ao ilustrado, de passatempo
ao frívolo, de desenfado ao opulento e de consolo ao desventurado”. Divagações
à parte, toda a Lisboa, lesse o republicaníssimo O Mundo, a que os realistas chamavam “imundo”, ou o miguelista A
Nação, estava habituada aos boatos. “E ainda hão-de publicar um Intruja a Gente”,
costuma ironizar Aventino Zambujal, diplomata retirado, ilustre e mundano, que
jogava bridge e cultivava orquídeas.
In «A Costureira Sem Cabeça» (romance), de Fernando Madaíl, colecção «Portugal Sem Fim» (dirigida por José Manuel Barata-Feyo, em parceria com a AMI), Oficina do Livro (grupo LeYa), Fevereiro de 2011 (1.ª edição).
In «A Costureira Sem Cabeça» (romance), de Fernando Madaíl, colecção «Portugal Sem Fim» (dirigida por José Manuel Barata-Feyo, em parceria com a AMI), Oficina do Livro (grupo LeYa), Fevereiro de 2011 (1.ª edição).
terça-feira, 7 de abril de 2015
ELOGIO DA SARDINHA, crónica de Mário Cláudio
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«O Enterro da Sardinha», composição de Goya –
Imagem encontrada em http://virusdaarte.net/
|
Há um bom par de décadas, ao falar a um
jornal, um dos nossos mais intelectuais poetas verberava o gosto que os
leitores portugueses manifestavam por aquilo a que, recorrendo a um símbolo,
chamava a «sardinha assada». Sendo tão fácil esquecer em geral o que os vates
vão dizendo, a observação do referido permaneceria curiosamente na minha
memória. Pretendia ele significar com a mordacidade do seu reparo aquilo que
não corresponde a mais do que a pura expressão da lei do menor esforço, e que
por isso não constitui fenómeno exclusivamente nosso, a atenção pelo simples,
às vezes pelo medíocre, e na maioria dos casos pelo recreativo. Ao fazê-lo,
deixava porém ficar pairando a impressão, afinal desfavorável a quem aspire a
pensar civilizadamente, de que a frequência de Fernando Pessoa por exemplo se
torna incompatível com a de Florbela Espanca, ou de que a recepção de Hans Werner
Henze por hipótese se revela inassociável à de Astor Piazzola.
Voltando à sardinha, sempre me incomodou o
regabofe pós-revolucionário que leva à mesa dos restaurantes massas oprimidas
de devoradores de marisco, mais preocupados em ocupar o tempo do que o espaço,
e a consequente vergonha que experimentam em tais fases os degustadores fiéis
do peixinho que se vende ao quarteirão, e que cheira iniludivelmente a pobreza.
Os novos-ricos da cultura, guindados à epidérmica cidadania que postula a avó
que se deseja esconder, de lenço na cabeça, e o avô que é necessário rasurar,
de ancas de cavador, desenha um dos traços, esse sim, mais salientes da nossa
mentalidade de recém-chegados ao suburbanismo. Detectá-lo com nitidez, e até
mesmo no discurso dos poetas muito intelectuais, equivale a técnica que
aproveitará a quem se dispõe a reflectir sobre esta ordem de coisas.
A entrada do solstício, originante de culto
mais afoito dos pequenos prazeres, traz ao nosso convívio a sardinha assada,
clássica iguaria das eternas festividades populares, ou das efémeras
comemorações futebolísticas. É útil que os que amiúde se envergonham de a
mastigar conscienciosamente, ou que a reputam de lusa pelintrice, a observem
agora com olhos de ver. Eu refiro-me, é claro, à espécie atlântica, e não a
essa futrica modalidade, sensaborona e sem escamas, representada pela que
aparece na bacia do Mediterrâneo. A velha sardinha conta de resto a seu favor,
e hoje em dia, com o nihil obstat da
comunidade médica, proverbialmente lábil em matéria de aconselhamento, mas
cujos ditames importa seguir à risca.
Não gosto de sardinha congelada, equiparável à
pop-fiction reles, nem de poetas
demasiado intelectuais, idênticos ao autor da desastrosa generalização. Mas não
me parece mal exigir o produto de qualidade, seja ele caro ou barato, ilustre
ou plebeu, referendado pelo escol das academias, ou por um público
saudavelmente vasto. Aos que farejarem tal vastidão com alarme, ou com a reticência
bem-pensante dos vagos comedores de antenas de lagosta, só posso fazer votos de
um Verão sem santos, sem futebol, e sem sardinha, o que me parece tristonha
maneira de andar a gastar a existência por este canto da Europa. Fique claro no
entanto que admito a legitimidade de outras rejubilantes opções, a maledicência
atávica, a tribal competição, ou a vergonha de sermos aquilo que somos. Não as
julgo todavia comparáveis, isto em termos de artigo que consubstancie a alegria
colectiva, àquilo que a sardinha assada prefigura como metáfora.
Em 1818 pintou Goya O Enterro da Sardinha, uma sinistra e fantasmagórica cerimónia,
comandada por duas megeras mascaradas, patrocinadas por um demónio que possui
algo de inquisidor. De certa maneira anunciando a morte da grande festa, a
alegoria serve a época em que a sardinha da nossa costa acaba sob a enxurrada
da fast-food. Valer-nos-á então a
paráfrase dos célebres versos de William Carlos Williams, afeiçoados assim,
«Temos no nosso prato a espinha da sardinha. / Eis o que dá ao homem
segurança!»
In «O eixo da bússola»» (crónicas), de Mário Cláudio, Verbo (chancela Babel),
Lisboa, 2010.
O MINOTAURO E A ÁRVORE DA VIDA, crónica de Mário Cláudio
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Corino de Andrade – foto encontrada em http://alterego12c.blogspot.pt/
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De uma ocasião em que o medo de enfrentar o
Minotauro me levara a procurá-lo, começaria por me intimidar a que retirasse os
óculos escuros, porque deve a verdade ser olhada às claras e sem disfarce. Desafiar-me-ia
depois a que me pusesse a escrever, tarefa a que eu me dedicava, ignorando que
correspondia a uma obrigação a cumprir, brindar-me-ia com muito mais perguntas
do que respostas, e utilizando o intrigante pudor do afecto que o torna
realmente feroz, sem cerimónias, mandar-me-ia verificar se estava a chover lá
fora. Ganhava eu assim o meu segundo pai, aquisição de não escassa monta para
quem como se vê acredita em deuses, em semideuses e em heróis, mas sobretudo na
sua necessidade, a fim de se adquirir o direito de sermos donos daquilo que
somos. E quando me falam hoje do estudo da doença dos pezinhos, sinto-me alumiado
por dentro e contra toda a presença maléfica, destronado que se revela o
espesso terror, ao perceber que é do meu guia que falam, e que defronte do
Minotauro me ensinou ele o atrevimento de falar.
Na idade a que cheguei, não conheço lareira
melhor que a do seu convívio, mais reconciliante cartilha que a da sua
conversa, universidade preferível à da sua cavaqueira, sobre os Jogos Olímpicos
de Berlim e as manias do Egas Moniz, sobre o sentido de uma deixa de Calderón
de la Barca e a explicação de um verso de Ângelo de Lima, sobre a luz em que se
esvaem os poentes de Vila Nova de Milfontes e a receita da suprema confecção do
bacalhau à Batalha Reis. E descubro, nesta espécie de príncipe que se ri dos
principados, neste tipo de mestre que jamais impõe o magistério, o protagonista
ideal das reuniões elogiadas pelo renascente Baltazar Castiglione, as quais nem
constituem conferências anódinas, porque se resumem a um diálogo em que cada um
intervém, e participa do tema, e o interrompe, e o orienta a seu bel-prazer,
nem se cifram em puros diálogos, desde que se considere que, mostrando-se
oportuno que o que aí se diz seja entendido por todos, nada poderá surgir como
estritamente confidencial.
Algumas vezes, passando rente ao jardim do
nosso pedagogo de vencedores do Minotauro, eis que me fascina o carvalho do
Norte esplêndido que nele se radicou. Mas atentando bem, logo me aproprio da
evidente e natural razão de quejando fenómeno. Pois não seria aí a final de
contas que haveria de merecer o privilégio de ter acrescido, e lançado em redor
a sua ramagem, aquela árvore imensíssima, camarada das manhãs, das tardes e das
noites de Corino de Andrade, ou desse que para mim e para muitos sempre foi,
sempre será, outra forma e outro nome da Árvore da Vida?
In «O eixo da bússola»» (crónicas), de Mário Cláudio, Verbo (chancela Babel), Lisboa, 2010.
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