Uma certa fase lembraremos, em que a natureza se lhe
debate na tormentosa exigência de se acertar. À sua semelhança padece o pintor
Augustus John, no vastíssimo atelier de Mallord Street, do cavalete se
aproximando e se distraindo, na espécie de broto de camélia em que a boca
comprime na avaliação do modelo. Não tem descanso Guilhermina, na imobilidade
em que procura casar-se com a suite de Bach, que vai executando sem fim. E um
vacilante compromisso celebra com a imagem de si, que a todo o instante ameaça
estilhaçar-se, no que pouco a auxilia o homem que a retrata. A cada passo,
parece ele saído de uma moita de heras, dando-lhe ordens e ordens de se calar,
o botão manobrando da telefonia, que ejacula o noticiário ou um shimmy
sincopado. Ao arbítrio do pincel irá definindo a violoncelista, sem que em
absoluto a possua, na tenacidade com que o trabalho reapura que já deu por
findo. Fica a via, defronte do atelier, congestionada de Chevrolets, puxando os
freios num guincho dilacerado, despejando essas mulheres que à volta do artista
se entrechocam, na espera de um filho ou de um madrigal. Logo a violoncelista
catalogam como mais uma amante, que ele umas vezes recebe com a afirmação de
ser a mais bela, outras a mais feia criatura deste mundo. Despedem-se os
valdevinos, abandonando um campo de destroços onde um cálice voga quebrado, uma
tarte de damascos meio consumida. Passa John, enfim, numa dança de pontas, em
busca de outrem que não a ibérica de imponente violoncelo, clamando a fêmea que
o salve, essa a que o real não recuse aderir.
In «Guilhermina»
(romance), de Mário Cláudio, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Junho de 2007
(5.ª edição – 1.ª na Dom Quixote).
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