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Pusera-se-lhe o onomástico
de Dom Beltrán, o que ficara a dever-se à vaga memória de um herói de histórias
de cordel, uma dessas personagens que trotam pela vida fora, comandadas por uma
astúcia especial, revelando todavia graça de convívio que as torna
irresistíveis aos olhos de quem primariamente lhes censura as falcatruas. De
rabo em perpétuo levantado, colocando as orelhas fitas diante de sinais que só
ele percebia, alternava o malandro a doçura com que se botava a lamber as mãos
dos que se acercavam, e que perante isso de imediato se sentiam rendidos, com a
malevolência que implicava em morder-lhes os dedos, gesto com que ia explorando
seus grandes ímpetos de amor.
E nos meus lazeres
interrogava-me sobre o que poderia ter sido o passado daquele valdevinos.
Produto de uma cadela podenga, abandonada num matagal, presa por um cordel a um
castanheiro por se mostrar menos do que medíocre de caça, e de um descendente
de sabujos desclassificados, oriundos de além-fronteiras, atrelara-se um dia ao
eixo de uma carroça, em consequência da insistente reclamação de um dos
catraios do bando, o qual nele projectara uma promessa de divertido
companheirismo. Muito faceiro nas atitudes, mas nunca afinal conquistando o
direito a um nome, correspondia o perro com digníssima resignação às atenções
que, ultrapassado o encanto da infância, iam fatalmente esmorecendo. Comia o
que lhe atiravam, afastava-se das zaragatas, procurava na vizinhança dos
ciganos recém-nascidos a sorte de vir a deparar com um ou outro dono
providencial.
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