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«Ó vós, fracos humanos, semelhantes às folhas leves, aos sonhos vãos, vós cujo corpo feito de lodo, sombra fugidia, ignora a protecção de uma plumagem delicada, escutai as Aves, raça imortal, eterna, sempre jovem, vizinha do céu, que nada de mortal nem de baixo concebe. A natureza vos diremos dos ventos, dos trovões, das geadas, a história do Mundo vos narraremos, tudo o que se pode saber vos ensinaremos. E abandonareis, então, a filosofia. No começo, o Caos, a Noite, e Érebo e o Tártaro ocupavam o Universo, até que a Noite de sombrias asas deu à luz um ovo delicado, o Érebo em seu seio o recebeu, dele nasceu o Amor. Com suas asas de oiro brilhante, a escuridão furou da Noite, ao alado Caos se uniu para dar ao Mundo a raça das Aves. Antes de o Amor unir todos os seres, nem Olimpo nem Céu havia, pois. De tais uniões saíram o Céu e o Oceano, a Terra e os Deuses. Assim, terão os mortais de nos ceder o direito de primogenitura. Do Amor é que nascemos.» São As Aves, de Aristófanes. Delas, de seu conclave, ninguém melhor do que o Ateniense poderia discursar pelos lábios de Guilhermina. E em seu voo contínuo, segundo a segundo mais alto, de asas também me rompendo os flancos. Extenua-se Álvaro em seu trato com a terra, enquanto os membros mexemos por sobre continentes e oceanos, babas do império do homem. Está de momento sozinha, no diminuto camarim do Teatro Principal de Valência, com as lutuosas aigrettes que lhe tombam na testa, um pouco fremindo em suas charadas. E de súbito a descortina, imóvel entre os espelhos, como sempre vinda inesperadamente. Ao bafo de fora, anda desvairado um novelo de serrim e ervas secas, pelo pavimento dos bastidores. De órbitas que parecem nada ver, impiedosa a defronta a que chegou, muito esguia, descalçando as luvas altas.
In «Guilhermina» (romance), de Mário
Cláudio, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Junho de 2007 (5.ª edição – 1.ª na
Dom Quixote).
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VER: Apresentação da Escola Paulo
Freire de «As Aves», de Aristófanes:
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