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Na guerra acesa está em Brive, foragida, entre arcas de
porão e móveis enfardados, com a mãe, a irmã, o cunhado Léon. Uma outra se quer
perante os homens, perante esse marido de Virgínia, que a entusiasma,
inabalável mas fraco, opção para o macho tenaz, que durante tantos anos a
trouxera oprimida. De Paris a reminiscência a acompanha dos aeroplanos,
descendo a pique, parindo uma bomba, voltando logo a seguir, ante a inconsciência
dos transeuntes, que a tudo assistem como a um festival. Brive é melancólica e
só, com essa Rue Gambetta, onde o pequeno grupo se alberga acomodado por um
certo Fey, terminando num aterro de arrabalde. E, a cada instante, no horizonte
de choupos que o Outono esgalha, a rubra deflagração se adivinha das granadas,
o passo de chumbo da soldadesca chafurdando na lama. Num desalento de cinzas
mortas, andará contemplando, então, as mãos do cunhado. Tinham dedos macilentos
e afuselados, estacas que delimitassem um território onde nevara. Habituados
que estavam, os dedos, ao comando do diletante a quem pertenciam, ao grão do
marroquim e ao toque do Vergé, também eles se consideravam destituídos de toda a
serventia. Numa paixão irada os inspeccionava Guilhermina, à suposta brandura de
suas falanges se prometendo, enquanto se lamentava «há dois meses que minha
irmã e eu não fazemos uma nota de música». Descarregavam-se os feridos,
franceses e belgas, ingleses, até mesmo alemães, que em seus argumentos
insistiam, enquanto lhes ajustavam a ligadura, a resolução professando de, a
breve trecho, ir embora. Na noite, enfim, altíssimas brilhavam as constelações,
inexoráveis, sorridentes quase. E uma velhota trôpega, desproporcionada, com
seu bordão tacteava o terreno, o esburacado manto desfraldando pelas planícies
de França.
In «Guilhermina»
(romance), de Mário Cláudio, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Junho de 2007 (5.ª
edição – 1.ª na Dom Quixote).
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