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(Futuro:
este poema foi cortado pela Censura na
revista
«Vértice» de Coimbra. Acontecia isto
no
tempo do tiranete Salazar.)
Apaga-te, lua!
– lâmpada dos lírios e dos cães.
Não finjas de alma
esta realidade violenta
que me dói até às raízes.
Não pintes de mistério
estas bocas de fome
onde só há metafísicas de pão negro.
Não abras asas
na planície das pedras
de fogo apodrecido.
Apaga-te, lua!
Peço-te que te apagues!
Para os tímidos poderem amar-se à vontade na sombra sem
olhos,
para os humilhados de botas rotas cantarem serenatas às
castelãs de carne invisível,
para as feias se entregarem nuas e abertas ao sexo da
noite,
para os trémulos morrerem heróicos em barricadas de
imaginação,
para os famintos devorarem com volúpia de vergonha o pão
verde dos caixotes,
para os cegos dizerem: «Não vemos porque não há luar!»,
para os mendigos sonharem em voz alta que são reis a
arrastar mantos negros,
para os escorraçados saírem dos canos lôbregos
e forrarem o mundo de luz própria como as estrelas,
para os ladrões velhinhos arrombarem as caixas das
esmolas
onde só os pobres deitaram moedas falsas,
para os visionários mergulharem as mãos na noite
em busca de outra lua sem vincos de caveira,
para as mães das caves convencerem os filhos: «Moramos
num palácio às escuras»…
Ouviste, lua?
Apaga-te!
– lâmpada dos cães e dos poetas magros.
In «Poeta militante – Viagem do Século
Vinte em mim» (1.º volume), obra poética completa de José Gomes Ferreira,
colecção «Círculo de Poesia», Moraes Editores, Lisboa, Outubro de 1977 (1.ª
edição).
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