Fotografia
encontrada em http://ofelino.blogspot.pt/
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Porto, 18 de Junho – Não há dúvida nenhuma que sou um poeta de paredes lisas. No escritório dum camarada que visitei hoje, coberto de fotografias assinadas, tive a impressão de estar no gabinete dum caçador de feras, que mandasse curtir as peles das vítimas e as exibisse como troféus. A do leão com uma dedicatória majestática, a do hipopótamo com os olhos na posteridade, a do chacal ainda a sonhar cadáveres...
Tudo enternecedor e autêntico. Mas
cruel como todos os embalsamamentos.
Homem de ar livre, a minha poesia
não é de autógrafos nem de gavetas. É um golpe de vento no alto de uma serrania,
onde subo a ver se consigo oxigenar o sangue e a vida.
Não, quando eu morrer queimem
quanto escrevi e não publiquei. Renego todas as cartas, todos os manuscritos,
todos os retratos, todas as anedotas, todas as recordações e todo o rol da
minha roupa suja. O legado são os livros que deixar impressos. Esses rilhem-nos
à vontade.
In «Diário
(5.º volume)», de Miguel Torga, edição de autor, Coimbra, 1974 (3.ª edição,
revista).
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