«Violino»,
quadro de Amadeu de Sousa Cardoso, óleo sobre tela
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Não,
não temos alma,
amigos poetas de longe,
não temos alma para cantar a certeza
até ao fundo.
A que revela ao mundo,
mesmo nas horas instáveis,
os olhos de Elsa
e os corpos memoráveis.
E traz com ela
o cio que acorda a terra
e tanto dá as árvores ao vento
e as praias ao mar,
como os seios às mãos
e os sexos à gula
de um corpo, lua tangível
e desnuda
em vossos versos reflectida.
Ânsia que vos não erra,
poetas de longe,
límpidos olhos
onde dorme a exacta flor prometida.
Num silêncio trespassado de
lágrimas
mais duras que as choradas,
outro era o quinhão que nos cabia:
a cantar esta secura
de água sem nascente.
Um brejo de agruras
onde calam todas as fontes
dos dedos brotadas.
Enquanto num frémito de violinos
molhados de espanto de furar a
treva
despertam flutuações carnais
abrindo,
tão naturais
como te queremos, Terra!
In «Obra
Poética» [«Os Dias Íntimos», 1944-1958], de João José Cochofel, colecção «Obras Completas», Editorial
Caminho, Lisboa, Dezembro de 1988 (1.ª edição)
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