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Coimbra, 11 de Março de 1951 – Resposta a um inquérito do Journal des Poètes:
Sim, a Poesia pode ainda ser a
grande mensagem da Europa ao mundo, e prolongar em liberdade a tradição do seu
humanismo. Mas com a profunda e radical reforma dos seus servidores. Entendendo
que ela é a mais completa pergunta que se pode fazer à humanidade, e a mais
sugestiva resposta que essa mesma humanidade pode dar, nenhum sofisma deve
existir nos termos. Ora os poetas tentam de há muito ouvir incompletamente a
Esfinge e retorquir-lhe com ambiguidade. A expressão desse diálogo é equívoca e
serve ao mesmo tempo Deus e o Diabo. Cada poeta mói no mesmo almofariz o bem e
o mal, sem reparar que desde que o homem é homem o dilema é sempre o mesmo:
todos ou alguns? E se foi possível outrora, por virtude da cegueira desses
tempos, esquecer que o animal de quatro, duas e três patas do enigma (na
meninice a gatinhar, bípede na maturidade e apoiado ao bordão na velhice) não
era apenas um Sócrates de eleição mas também seu escravo, quer o confesse, quer
não, o Parnaso de agora sabe-o perfeitamente. E a liberdade da sua existência
não terá sentido e dignidade se em vez de conquistada for uma concessão
recebida. Só quando insubmissos, e por isso dignos do seu nome, os poetas serão
capazes de cumprir a sua missão divinatória por conta de todo o sofrimento
humano. Somente da fortaleza da sua independência poderão oferecer à angústia
universal a chave de um futuro melhor, construído sobre a denúncia dos crimes e
das injustiças de que são testemunhas. O seu desejo de serem exemplares será a
única arma do seu combate e a única esperança do seu triunfo. Corvos fugidos da
arca onde navegava o medo e a passividade, terão de enfrentar a fúria do
dilúvio e descobrir o rochedo onde não cheguem as vagas de nenhuma tirania. Antes
de trair, os poetas têm obrigação de sucumbir. Só assim poderão espalhar a boa
nova de uma verdade em perpétua renovação, pólen imponderável e alado que
atravessa as fronteiras sem passaporte e fecunda do mesmo sonho todos os
corações.
O que fez da Poesia um dos picos
imaculados da cultura europeia, e ao mesmo tempo um factor decisivo da
consciência universal, foi o seu heroísmo e a sua fidelidade a tudo o que é
eterno. E para que continue entre os povos europeus essa missão purificadora e
unificadora, é necessário que ele seja a expressão dos mais puros anseios de
cada um e de todos. É preciso que abrace não apenas um indivíduo ou uma classe,
mas o Homem. O Homem que as religiões salvaram para o céu nas catacumbas e no
martírio, e que a Poesia deve salvar para a terra, à clara e alegre luz da
beleza. Porque só a beleza nos arranca à solidão e nos une na mesma comunhão
fraternal. Sorriso do mundo, só ela é capaz de nos oferecer aqui um ideal
isento de armadilhas e contradições. Mais do que refocilar no lodo, é urgente
que a Poesia arranque dele os que ali caíram desesperados, e lhes transmita a alegria
de viver na descoberta sempre renovada e virginal dos seres e das coisas. Nem
caridade, nem humanitarismo. Simplesmente a revelação gratuita e maravilhosa da
face permanente do circunstancial, esperança libertadora ansiosamente desejada
por todos os mortais.
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