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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A poesia de Joaquim Namorado vista por Eduardo Lourenço

Joaquim Namorado






Que diferença entre essa Noite calma dos portos e o poema que dá o título ao livro, Aviso à Navegação, homenagem, aceno sentimental ao amigo Álvaro Feijó que primeiro que ele se lançara nessa simbologia marítimo-ideológica:

Alto lá!
Aviso à navegação!
Eu não morri:
estou aqui
na ilha sem nome
sem latitude nem longitude
perdida nos mapas
perdida no mar Tenebroso!

Sim, eu,
o perigo para a navegação!
o dos saques e das abordagens,
o capitão da fragata
cem vezes torpedeada
cem vezes afundada
mas sempre ressuscitada!
.............................................................
Aviso à navegação:
não espereis de mim a paz!
.............................................................
Que na guerra
só conheço dois destinos:
ou vencer – ai dos vencidos –
ou morrer sob os escombros
da luta que alevantei!
.............................................................
Não espereis de mim a paz
que vos não sei perdoar!

Uma das notas paradoxais deste «poema-epígrafe» é o de se servir da forma «presencista» e mesmo do seu tom (pelo menos do de Torga) para um fim militante oposto ao da poesia anterior. A hipérbole do «eu» já nossa conhecida está ao serviço de uma «guerra» que o ultrapassa. Mas o mais interessante é o aparecimento do tema da intransigência ideológica, embora envolto em velhas roupagens. É uma intransigência correlativa do combate implacável que não se escolheu tanto, como ele nos escolheu. O poema que termina a primeira parte de Aviso à Navegação reafirmá-lo-á num veemente e amplo movimento retórico de desafio:

Viemos ao mundo sós e nus, nada temos a perder
Se nos pedirem preço, o preço é a vida!

In «Sentido e forma da poesia neo-realista», ensaio de Eduardo Lourenço, Gradiva, Lisboa, Outubro de 2007 (1.ª edição)

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