Joaquim Namorado |
Que diferença entre essa Noite calma dos portos e o poema que dá o título ao livro, Aviso à Navegação, homenagem, aceno sentimental ao amigo Álvaro Feijó que primeiro que ele se lançara nessa simbologia marítimo-ideológica:
Alto lá!
Aviso à
navegação!
Eu não
morri:
estou aqui
na ilha
sem nome
sem
latitude nem longitude
perdida
nos mapas
perdida
no mar Tenebroso!
Sim, eu,
o perigo
para a navegação!
o dos
saques e das abordagens,
o capitão
da fragata
cem vezes
torpedeada
cem vezes
afundada
mas
sempre ressuscitada!
.............................................................
Aviso à
navegação:
não
espereis de mim a paz!
.............................................................
Que na
guerra
só
conheço dois destinos:
ou vencer
– ai dos vencidos –
ou morrer
sob os escombros
da luta
que alevantei!
.............................................................
Não
espereis de mim a paz
que vos
não sei perdoar!
Uma das notas paradoxais
deste «poema-epígrafe» é o de se servir da forma «presencista» e mesmo do seu
tom (pelo menos do de Torga) para um fim militante oposto ao da poesia
anterior. A hipérbole do «eu» já nossa conhecida está ao serviço de uma
«guerra» que o ultrapassa. Mas o mais interessante é o aparecimento do tema da intransigência ideológica,
embora envolto em velhas roupagens. É uma intransigência correlativa do combate implacável que
não se escolheu tanto, como ele nos escolheu. O poema que termina a primeira
parte de Aviso à Navegação reafirmá-lo-á num veemente e amplo
movimento retórico de desafio:
Viemos ao
mundo sós e nus, nada temos a perder
Se nos
pedirem preço, o preço é a vida!
In «Sentido e forma da poesia
neo-realista», ensaio de Eduardo Lourenço, Gradiva, Lisboa, Outubro de 2007
(1.ª edição)
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