Charles
Baudelaire, 1863 (por Étienne Carjat)
|
Coimbra, 11 de Dezembro – Não há dúvida: – A poesia portuguesa dividiu-se. A um
grande rio barrento veio desembocar um corgo cristalino. No mar do esquecimento
que espera todas as realizações humanas, talvez se juntem e desapareçam. Mas
até lá, vê-se nitidamente a fronteira das duas águas. Foi uma graça formal, uma
economia de meios, uma modernidade de imagens e de sensações que vieram arejar
uma retórica de comício, um sentimentalismo piegas, um bombeirismo arcádico,
que desgraçadamente têm fundas raízes no nosso temperamento.
Embora tardiamente, também ao luso
Parnaso chegou um pouco do gosto, do arrojo e da força renovadora que são a
glória de Baudelaire.
A marca literária dos tempos
presentes é o desejo incansável de uma originalidade a todo o preço. E sendo
certo que é melhor possuir a originalidade do que procurá-la, em última análise
o que importa é encontrá-la nas obras. O que felizmente vai acontecendo por cá.
Caudalosa, porém, a velha corrente
recusa-se a considerar sequer a transparência que a margina. Fiéis ao passado,
teimosamente antediluvianos, certos nomes com prestígio insistem na sua
impetuosa cegueira, ou porque realmente não podem, ou porque verdadeiramente
não querem ver a perdição. Um refluir incansável e trágico do mau gosto ancestral
apoia-os, de resto, com pertinácia. É ver o que se passa neste momento: – Ainda
a aura benéfica de Fernando Pessoa está a crescer, e já se aperram as pistolas
contra ela.
Seja como for, os dados estão na
mesa; digam o que disserem, não há despeitos impotentes que apaguem na pedra a
marca de certas presenças. O rio barrento tem à perna um espelho de
claridade...
Sem comentários:
Enviar um comentário