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Harvey escolhe Francoforte, reputado centro editorial,
para a publicação da sua obra, que veio a ser lançada, com súbito escândalo,
pelo célebre editor Guilherme Fitzer, na Feira do Livro de 1628. Dá-lhe o
título de Exercitatio anatómica de motu cordis
et sanguinis in animalibus e dedica-a a Carlos I, que se interessar
vivamente pelos seus trabalhos: «Vós, que sois a nova luz do nosso tempo e, na
realidade, o seu verdadeiro coração; vós, príncipe cheio de virtude e de
clemência, ao qual eu, com alegria, atribuo todas as bendições de que goza a
Inglaterra e todo o bem-estar das nossas vidas, suplico-vos que aceiteis com a
vossa usual generosidade este meu tratado sobre o coração.»
Embora Harvey proclame a circulação, tal como a descreve,
uma verdade positiva, deixa perceber os seus receios e sublinha os melindres
que teve de superar. No preâmbulo ao capítulo VIII, por exemplo, confidencia:
«Mas o que fica por dizer é de natureza tão inaudita e tão nova, que, se o
disser, não só desafio a inveja de uma minoria como tremo de pensar que talvez
me acarrete a aversão da humanidade inteira, pois têm grande poder a força do
hábito e a influência que o respeito pelos antigos e pelas doutrinas
profundamente arreigadas exercem em todos os homens. Contudo, a sorte está
lançada e confio no meu amor à verdade e na boa-fé inerente aos espíritos
cultivados.» E mais adiante, depois de discorrer sobre a disposição e estrutura
íntima das válvulas cardíacas: «Comecei a ponderar sobre a quantidade de sangue
que se desloca de um sítio para o outro, e logo compreendi que era impossível
que tal abundância de sangue pudesse ser produzida somente pelos produtos da
digestão, pois nesse caso depressa as veias ficariam exaustas e as artérias
rebentariam por não poderem conter a enorme quantidade de sangue que lhe
chegava…»
A par da Fabrica
de Vesálio, a obra de Harvey tornava-se um marco basilar da ciência médica.
Ficava a saber-se que as funções orgânicas dependiam de um fluido circundante,
servindo o intercâmbio entre os diferentes órgãos, uma via fluvial que ligasse
os diferentes centros produtores de um vasto e complexo império, coordenando-os
com surpreendente perfeição. (…)
In «Deuses e
Demónios da Medicina – biografias romanceadas» (primeiro volume), de Fernando
Namora, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1989 (7.ª edição).
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