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Deixe-me dizer mais uma coisa, e depois chega.
Não
quero ofendê-lo. A sua consciência, diz você. Não quer que seja posta em
dúvida. Tinha-me esquecido, desculpe. Mas reconheço, reconheço que para si
próprio, dentro de si, não é como eu, de fora, o vejo. Não por má vontade.
Gostaria que estivesse ao menos convencido disso. Você conhece-se, sente-se,
quer-se de um modo que não é o meu, mas o seu; e crê, uma vez mais, que o seu
está certo e o meu errado. Será, não nego. Mas pode o seu modo ser o meu e vice-versa?
Cá
estamos nós a voltar ao princípio!
Eu
posso crer em tudo isso que me diz. Creio. Ofereço-lhe uma cadeira: sente-se; e
tentemos pôr-nos de acordo.
Depois
de uma boa horinha de conversa, entendemo-nos perfeitamente.
Amanhã
aparece-me de mãos no rosto, a gritar:
–
Mas, como? O que entendeu? Não me tinha dito assim e assim?
Assim
e assim, perfeitamente. Mas o problema é que você, meu caro, nunca há-de saber,
nem eu lhe poderei nunca comunicar, como se traduz em mim aquilo que você me
diz. Não, você não falou turco. Usámos, eu e você, a mesma língua, as mesmas
palavras. Mas que culpa temos, eu e você, de as palavras, em si, serem vazias?
Vazias, meu caro. E você enche-as do seu sentido, ao dizer-mas; e eu, ao
acolhê-las, encho-as inevitavelmente do meu sentido. Julgámos que nos tínhamos
entendido; não nos entendemos de todo.
Oh,
também esta é história velha, já se sabe. E eu não pretendo dizer nada de novo.
Apenas volto a perguntar-lhe:
–
Mas então porquê, santo Deus, continua a fazer como se isso não se soubesse? A
falar-me de si, se sabe que para ser para mim o mesmo que é para si próprio, e
eu para si o mesmo que sou para mim, seria preciso que eu, dentro de mim, lhe
desse aquela mesma realidade que você dá a si próprio, e vice-versa; e isso não
é possível?
Infelizmente,
meu caro, por mais que você faça, dar-me-á sempre uma realidade à sua maneira;
e não digo que não possa ser, talvez seja, mas de uma «minha maneira» que eu
não sei nem nunca poderei saber, que só você saberá, pois me vê de fora;
portanto, uma «minha maneira» para si, não uma «minha maneira» para mim.
Oxalá
houvesse fora de nós, para si e para mim, oxalá houvesse uma senhora realidade
minha e uma senhora realidade sua, quero dizer, em si mesmas iguais e
imutáveis. Não há. Há em mim e para mim uma realidade minha: aquela que eu me
dou; uma realidade sua em si e para si: aquela que você se dá; as quais não serão
nunca as mesmas, nem para si nem para mim.
E
então?
Então,
meu amigo, temos de nos consolar com isto: a minha não é mais verdadeira que a
sua, e tanto a sua como a minha duram um momento.
Anda-lhe
a cabeça à roda? Bom, bom… concluamos.
In «Um, ninguém e cem mil», romance de Luigi Pirandello
(revisão de Cláudia Chaves de Almeida), Cavalo de Ferro, Lisboa, Fevereiro de
2014 (3.ª edição).
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