Imagem
encontrada em http://pulse.rs/starac-koji-je-odlazio-sam-ingmar-bergman/
|
[…]
MARIANNE
_ Moras fora da cidade?
JOHAN
_ Moramos num caixote de betão. Num décimo andar. Com vista para outro caixote.
Na entrada, vegetam jovens de treze anos cheios de cerveja, que se divertem
atirando ao chão os velhinhos que passam. A casa está a abrir brechas por todos
os lados. Pelas juntas das janelas, o vento sopra de tal maneira que até as
cortinas balançam. Há pouco tempo, andei duas semanas a ir buscar água a um
chafariz. Nenhuma das casas de banho estava a funcionar. As pessoas evitam o
metro depois das oito da noite. No meio de tudo isto, existe uma coisa que um arquitecto
louco baptizou de piazza. Não é que eu me esteja a lamentar. Acho até
interessante. Mas a Paula gosta de lá viver. Diz que se enquadra com a visão do
mundo. E que se sente segura ali. Tanto me faz onde vivo. É tudo temporário.
Uma pessoa tem de encontrar a segurança dentro de si própria.
MARIANNE
_ E encontraste?
JOHAN
_ Durante o tempo em que vivi aqui, não a encontrei. Nessa altura, tudo o que
nos rodeava era demasiado importante. E a nossa segurança dependia de um
conjunto de ritos.
MARIANNE
_ Não percebo o que queres dizer.
JOHAN
_ Toda a segurança estava ligada àquilo que existia fora de nós. Os nossos
bens, a nossa casa de campo, o apartamento, os amigos, o dinheiro, a comida, os
nossos pais. Queres saber em que consiste a minha segurança? Vou dizer-te. Eu
penso que a solidão é absoluta. É uma ilusão, uma pessoa convencer-se de outra
coisa. Toma consciência disso e tenta ser coerente. Não esperes nada a não ser
chatices. Se algo de agradável acontecer, tanto melhor. Não acredites nunca que
poderás abolir a solidão. Ela é absoluta. Tu podes imaginar uma comunhão em
diferentes planos, mas é apenas fazer poesia sobre religião, política, amor,
arte, etc. A solidão não deixará de ser total. O maior engano é quando
acreditas na possibilidade de uma espécie de comunhão. Toma consciência de que
é uma ilusão. Assim não ficarás depois dececionada quando tudo regressar à
normalidade. Temos de viver conscientes de que a solidão é absoluta. Então uma
pessoa deixa de lamentar-se, deixa de afligir-se. É aí que se começa de facto a
sentir segurança e se aprende a aceitar a falta de sentido da vida.
MARIANNE
_ Gostava de estar certa como tu.
JOHAN
_ Palavras, palavras, só palavras. A gente usa as palavras para exorcizar o
grande vazio. Às vezes, surpreende-me a incrível confiança política da Paula. É
uma confiança autêntica e profunda. Uma confiança que a faz trabalhar continuamente
dentro do seu grupo. A sua convicção dá-lhe respostas para as perguntas e
enche-lhe o vazio. Gostava de viver como ela. Digo isso sinceramente e sem
ironia. Por que é que estás a sorrir assim ironicamente? Achas que só digo
balelas? De facto, eu também acho, mas não faz mal.
MARIANNE
_ Não sei do que estás a falar. Parece-me tudo tão teórico. Não sei porquê.
Talvez porque nunca falo de coisas tão profundas. Creio que me movimento num
outro plano.
[…]
In «Cenas da vida conjugal», de Ingmar Bergman (peça de
teatro traduzida por Solveig Nordlund, com prefácio do autor), Bicho-do-Mato
(BdM)/Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, 2012 (1.ª edição).
Sem comentários:
Enviar um comentário