Stig
Dagerman – foto encontrada em http://www.biografiasyvidas.com/
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[…]
Não
vês como sou vaidoso? Outra vez diante do espelho! São uns belos traços.
Percebes, eu odiava os heróis. Tu fizeste com que eu os ame. E me ame a mim
mesmo. Amar-me pelo que fiz. Sabes quando me apaixonei pela primeira vez. Foi
aqui. Neste quarto. Quando descobri que podia fazer medo. Mas nessa altura apaixonei-me
apenas de forma romântica. Não como agora: com verdadeira paixão. E sabes
quando me apaixonei com verdadeira paixão por mim mesmo? Foi mais tarde esta noite.
Foi no momento de uma outra descoberta. A descoberta de que era capaz de matar,
mãe. Pensa nisto, ser assim tão forte. Consegues compreendê-lo? Consegues
compreender que quem é assim tão forte tem o dever de se amar a si mesmo? A
Teresa? Não era do amor dela que eu precisava. Foi um mal-entendido. Eu apenas
acreditava que ela talvez pudesse libertar-me do meu ódio por mim mesmo. Mas
também isso era algo que eu devia fazer sozinho. Mas se tu soubesses os mal-entendidos
que eu tive sobre estas questões. Eu era fraco e pensava: Não é bom falar dos
heróis, pensava eu. Da mesma maneira que não se fala do carrasco não se deve
falar do herói. Nem antes. Nem depois. Quanto muito no decurso da acção. Mas
agora percebo: De que mais poderíamos falar? Que outra experiência na vida de
um ser humano poderia valer mais do que o ter matado pela primeira vez? Diz-me!
Pensa nisso. Durante uns tempos não conseguia andar de eléctrico. Logo a seguir
à guerra. Uma manhã estava nas traseiras do eléctrico. Não se passou nada de
especial. Estava entalado no meio só de homens. Alguns tinham medalhas. Outros
tinham apenas participado na guerra. Então senti um cheiro estranho. Cada vez
mais intenso. E de repente atingiu-me como um raio: Gabriel, todos estes homens
à tua volta mataram um ser humano! Compreendes que saltei do eléctrico, de tal
maneira que quase me matei. Agora vou andar de eléctrico a toda a hora. E sem
sentir o cheiro do sangue. Podes ter a certeza disso. Mas sabes o que vou fazer
primeiro?
Gabriel vai à porta.
Sim,
vou dizer-te. Vou descer à rua. E atravessar a praça. E a seguir? A seguir vou regressar,
claro está. A casa! E ao caminhar direi a mim mesmo: É a primeira vez que
atravesso a praça sem que tu vás à janela para me vigiar. Percebes o que isso
significa? Espero que não chova. Boa noite, mãe.
[…]
In «A Sombra de Mart», drama em três actos (1948) de Stig Dagerman
(tradução de Luís Assis e Melanie Mederlind; e prefácio de Stig Dagerman),
Edições Cotovia, Lisboa, 1999 (1.ª edição).
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