Imagem
encontrada em http://richmondthenandnow.com/
|
Algum
tempo antes que Balzac descesse ao abismo final lançando as nobres queixas de
um herói que tem grandes coisas a fazer, Edgar Allan Poe, que tem mais de um
traço em comum com ele, caía atingido por uma morte horrível. A França perdeu
um de seus maiores génios e a América um romancista, um crítico, um filósofo
que não era feito para ela. Muitas pessoas ignoram aqui a morte de Edgar Allan
Poe, muitas outras acreditaram que era um jovem rico, que escrevia pouco,
produzindo criações bizarras e terríveis nos lazeres mais risonhos, não
conhecendo a vida literária senão por raros e retumbantes sucessos. A realidade
foi o contrário.
A família
do sr. Poe era uma das mais respeitáveis de Baltimore. Seu avô era
quarter-master-general na revolução, e La Fayette tinha-o em alta estima e
amizade. A última vez que este foi visitar o país, suplicou à sua viúva que
aceitasse os testemunhos de seu reconhecimento pelos serviços que lhe havia
prestado o seu marido. O seu bisavô havia casado com uma filha do almirante
inglês Mac Bride e, através dele, a família de Poe estava ligada às casas mais
ilustres da Inglaterra. O pai de Edgar recebeu uma educação honorável. Tendo-se
apaixonado violentamente por uma jovem e bela actriz, fugindo e casando com
ela. Para misturar mais intimamente o seu destino ao dela, ele quis também
subir ao palco. Mas não tinham, nem um nem outro, o génio do ofício e viviam de
uma maneira bastante triste e precária. Ainda assim, a jovem dama saía-se bem
com a sua beleza e o público encantado suportava o seu desempenho medíocre.
Numa das suas digressões, vieram a Richmond, e foi lá que ambos morreram, com
poucas semanas de distância um do outro, ambos pela mesma causa: a fome, a
penúria, a miséria.
Abandonavam
assim à sorte – sem pão, sem abrigo, sem amigo – um pobre pequeno infeliz que,
de resto, a Natureza havia dotado de um feitio encantador. Um rico negociante
de Baltimore, o sr. Allan, foi movido pela piedade. E entusiasmou-se com esse
menino bonito e, como não tinha filhos, adoptou-o. Edgar Allan Poe foi assim
criado num bom ambiente e recebeu uma educação completa. Em 1816, acompanhou os
seus pais adoptivos numa viagem que fizera a Inglaterra, Escócia e Irlanda.
Antes de voltar ao seu país, deixaram-no sob os cuidados do doutor Brandsby,
que tinha uma importante casa de educação em Stoke-Newington, perto de Londres,
onde ele passou cinco anos.
Todos
aqueles que reflectiram sobre a própria vida, que frequentemente lançam um
olhar para trás a fim de comparar o passado com o presente, sabem que grande
parte da adolescência tem influência decisiva no génio de um homem. É então que
os objectos lançam profundamente as suas marcas no espírito tenro e fácil; é lá
que as cores são vistosas e os sons falam uma língua misteriosa. O carácter, o
génio, o estilo de um homem é formado pelas circunstâncias da aparência vulgar
da sua primeira juventude. Se todos os homens que ocuparam o cenário do mundo
tivessem anotado as suas impressões de infância, que excelente dicionário
psicológico possuiríamos! As cores, o perfil do espírito de Edgar Allan Poe
contrastam violentamente com o fundo da literatura norte-americana. Os seus
compatriotas mal o consideram americano e, no entanto, ele não é inglês. É
então de bom alvitre colher de um dos seus contos, um conto pouco conhecido,
“William Wilson”, um relato singular da sua vida nessa escola de Stoke-Newington. Todos os contos de
Edgar Allan Poe são, por assim dizer, biográficos. Encontra-se o homem na obra.
Os personagens e os incidentes são o quadro e o cortinado das suas lembranças.
Sem comentários:
Enviar um comentário