Imagem
encontrada em http://www.man-pai.com/
|
Cedo,
muito cedo, me alvoroçou e seduziu o encanto do exotismo. Porquê? Não sei.
Penso que, temperamento marcado da tara da morbidez logo ao nascer, não me
encontrava bem onde me achava, pedia asas à quimera, para fugir para longe,
muito longe... E fugi, e voei, e fui deixando farrapos de alma (porque a alma
se rasga e se dá quando se amam as coisas), por todo este mundo exótico fora: –
pelo Oceano imenso – águas e céu, pela África selvática, pelo Egipto, por
Argel, por Zanzibar, por Aden, por Colombo, por Singapura, por Bangkok, por
Saigão, pela China, por Java, por Macassar, por Timor e mais nada...
Reservava-me o destino ainda outras emoções: – cheguei ao Japão – Amei-o em
transportes de delírio, bebi-o como se bebe um néctar...
Todavia,
eu nunca experimentei a sensação plena do gozo, o prazer que domina tudo,
triunfante. Eu nunca, no Japão como em parte alguma, me senti plenamente feliz,
sem dúvida por incompetências e incongruências dos meus dotes afectivos. O
enlevo das coisas acorda sempre no íntimo do meu ser um sofrimento ignoto, a
impressão de dor por uma catástrofe sofrida ou por sofrer – sofrida, talvez
numa outra vida já vivida; por sofrer, talvez em futuros dias da minha vida
actual, talvez numa outra vida que há-de vir; ou terei eu o estranho dom de
sofrer, por indução, a dor dos males que ferem outros seres?...
Bem. Foram
correndo os anos; foram-se sucedendo as surpresas, as maravilhas; e também os
reveses, como, em regra, sucede a toda a gente. O Japão conferia-me ainda o
privilégio cruciante de assistir, em curtos intervalos de tempo, a duas
agonias, aos gestos convulsivos e aos gemidos pungentes de duas mulheres na
força da vida e dos desejos, que morriam a meu lado, tendo pedido à morte que
as poupasse...
A minha
religião de esteta, a qual já de longe, ia anunciando tendências para me deixar
colher dos factos e dos aspectos, principalmente, a noção melancólica da
impertinência das coisas, do aniquilamento como lei suprema, a que tudo se
submete, transitou então para uma outra crença, a religião da saudade – que é
ainda uma religião estética, mas de uma estética retrospectiva, que leva a
paixão do belo, do bom, do consolador, pelo que foi e já não é.
O Japão
foi o país onde eu mais vivi pelo espírito, onde a minha individualidade
pensante mais viu alargarem-se os horizontes do raciocínio e da compreensão,
onde as minhas forças emotivas mais pulsaram em presença dos encantos da
Natureza e da Arte. Seja pois o Japão o altar deste meu novo culto – a religião
da saudade –, o último por certo a que terei de prestar amor e reverência.
In «Meditações», de Wenceslau de
Moraes, Alma Azul, Coimbra/Alcains, Janeiro de 2009 (1.ª edição).
Sem comentários:
Enviar um comentário