Fotografia encontrada em http://livrespensantes.blogspot.pt/
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Coimbra, 21 de Julho de 1952 – Cada vez mais isolado e alheado
das tricas literárias, cá vou indo no meu chouto de almocreve. Neguem-me tudo,
se quiserem, que tanto se me dá. Nem por isso deixarei de ter, como os meus
antepassados, a consciência limpa da honradez do ofício. O que escrevo tem pelo
menos a virtude de ser motivado de dentro. Hipócrita comigo mesmo – a
verdadeira hipocrisia – não sou. Nem me fica no tinteiro a sinceridade, nem
exibo à luz do dia uma coragem que não tenho. Faço o que posso, à sobreposse. E
isso me basta para me sentir justificado no plano social e no plano pessoal, e
dispensar foguetes e não temer apupos. Um escritor, por modesto que seja,
necessita de assentar cada pedra com a probidade, a humildade e a esperança de
quem vai enfrentar a erosão dos séculos. Por isso, o seu ouvido deve estar mais
atento ao silêncio do futuro do que às palmas do presente.
In «Diário (6.º volume)», de Miguel Torga, edição de autor,
Coimbra, 1978 (3.ª edição).
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