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quinta-feira, 13 de março de 2014

[O que escrevo tem pelo menos a virtude de ser motivado de dentro], registo diarístico de Miguel Torga

Fotografia encontrada em http://livrespensantes.blogspot.pt/
Coimbra, 21 de Julho de 1952 – Cada vez mais isolado e alheado das tricas literárias, cá vou indo no meu chouto de almocreve. Neguem-me tudo, se quiserem, que tanto se me dá. Nem por isso deixarei de ter, como os meus antepassados, a consciência limpa da honradez do ofício. O que escrevo tem pelo menos a virtude de ser motivado de dentro. Hipócrita comigo mesmo – a verdadeira hipocrisia – não sou. Nem me fica no tinteiro a sinceridade, nem exibo à luz do dia uma coragem que não tenho. Faço o que posso, à sobreposse. E isso me basta para me sentir justificado no plano social e no plano pessoal, e dispensar foguetes e não temer apupos. Um escritor, por modesto que seja, necessita de assentar cada pedra com a probidade, a humildade e a esperança de quem vai enfrentar a erosão dos séculos. Por isso, o seu ouvido deve estar mais atento ao silêncio do futuro do que às palmas do presente.

In «Diário (6.º volume)», de Miguel Torga, edição de autor, Coimbra, 1978 (3.ª edição).

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