Imagem encontrada em http://papalaguiatec.blogspot.pt/
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É ainda mais grave e desastroso que todos os pensamentos, bons ou maus, sejam de imediato atirados para as esteiras brancas. «São impressos», diz o Papalagui. Isto significa que o que aqueles doentes pensam é escrito por uma máquina misteriosa e milagrosa que tem mil mãos e a obstinação de muitos chefes. Escrito não uma ou duas vezes, mas muitas, muitas vezes, um número infinito de vezes, escritos continuamente os mesmos pensamentos. Então muitas destas esteiras de pensamentos são atadas em molhos, prensadas («livros», chama-lhes o Papalagui) e enviadas para todos os cantos daquela grande terra. Em muito pouco tempos, todos os que absorvem estes pensamentos ficam infectados. Devoram estas esteiras de pensamentos como se fossem bananas doces, e estas encontram-se em todas as cabanas, com pilhas de caixas cheias delas, e jovens e velhos abocanham-nas como as ratazanas fazem à cana-de-açúcar. É por essa razão que há tão poucos que ainda conseguem ter pensamentos razoáveis e naturais, como aqueles que tem todo o samoano honesto.
Do
mesmo modo, enfiam todos os pensamentos que podem na cabeça das crianças. Todos
os dias estas são obrigadas a engolir uma certa quantidade de esteiras de
pensamentos. Só as mais sãs rejeitam esses pensamentos ou deixam-nos cair pelo
espírito como por uma rede. Mas quase todas enchem as cabeças com tantos
pensamentos que não resta espaço para entrar luz. A isto chama-se «instruir o
espírito», e é uma condição comum.
«Instrução»
significa encher a cabeça até cima com conhecimento. Uma pessoa instruída sabe
o comprimento de uma palmeira, o peso de um coco, os nomes de todos os seus
chefes e quando foram para a guerra. Sabe o tamanho da Lua, das estrelas e de
todos os países. Conhece todos os rios pelo nome, todos os animais e plantas.
Sabe absolutamente tudo. Fazei uma pergunta a um instruído e ele dispara a
resposta antes de vós fechardes a boca. A sua cabeça está sempre carregada de
munições, sempre pronta a disparar. Cada europeu dedica os mais belos anos da
sua vida a transformar a cabeça na arma mais rápida possível. Quem não o quiser
fazer é obrigado. Todo o Papalagui tem de saber, tem de pensar.
In «Papalagui», de Tuiavii de Tiavéa [este
livro resulta de uma colectânea de textos escritos por Tuiavii, chefe da tribo
samoana de Tiavéa, e dados a conhecer ao Ocidente, em 1920, por Erich
Scheurmann, que com ele conviveu naquela ilha do Pacífico Sul] (com nota do
editor, tradução de Ana Saragoça e revisão de Silvina de Sousa), Marcador
Editora (Editorial Presença), Queluz de Baixo, Janeiro de 2012 (1.ª edição).
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