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E
há ainda mais maneiras de pensar e muito mais alvos para as setas do seu espírito.
É triste o destino dos pensadores que vão longe nos seus pensamentos. O que vai
acontecer da próxima vez que o Sol nascer? O que terá o Grande Espírito em
mente para mim quando eu chegar ao Salefe’s[1]? Onde
estava eu quando os Tagalao[2] me deram a minha Agaga[3]?
Este pensar é tão fútil como tentar ver o Sol de olhos fechados. Não resulta. Não
é possível pensar até ao início e até ao fim das coisas, como descobrem as
pessoas que o tentam. Ficam acocoradas no mesmo lugar como um guarda-rios,
desde a juventude até à velhice. Já não vêem o Sol, nem o grande mar, nem as
raparigas bonitas, nem a alegria, nem nada, nada de nada. Nem o kava tem sabor para eles e, nos bailes
da aldeia, põem-se de lado e olham para o chão. Não vivem, embora não estejam
mortas. Foram destruídas pela grave doença do pensar.
Este
pensar devia tornar a mente grande e elevada. Quando alguém pensa muito e
depressa, na Europa diz-se que tem uma grande cabeça. Em vez de terem pena
destas grandes cabeças, admiram-nas muito. As aldeias elegem-nos para chefes e,
sempre que surge uma grande cabeça, esta tem de pensar publicamente, o que dá a
todos grande prazer e admiração. Quando morre uma grande cabeça, há luto por
toda a terra, e grandes choros pelo que se perdeu. Fazem uma imagem de pedra
dessa grande cabeça e colocam-na à vista de toda a gente no mercado. Na
verdade, estas cabeças de pedra são muito maiores do que eram em vida, para que
as pessoas possam admirá-las e lembrar-se da pequenez da sua própria cabeça.
Se
alguém perguntar a um Papalagui por que pensa tanto, ele responde: «Porque não
quero nem posso ser estúpido.» Todo o Papalagui que não quer pensar é estúpido;
embora, na verdade, as pessoas que não pensam sejam sábias e acabem por se
orientar.
No
entanto, penso que isso não passa de um pretexto e que o Papalagui está apenas
a seguir o seu impulso maldoso. Parece-me que o verdadeiro fim do seu pensar é
descobrir onde o Grande Espírito obtém o seu poder, algo a que ele chama, com
palavras sonantes, «conhecimento». Conhecimento significa termos uma coisa tão
perto dos olhos que podemos furá-la com o nariz. Isto de furar e saquear é um
desejo vulgar e desprezível do Papalagui. Ele pega numa centopeia, fura-a com
uma pequena lança e arranca-lhe uma perna. Qual o aspecto dessa perna separada
do corpo? Como estava fixada ao corpo? Ele parte a perna a fim de medir a sua
espessura. Isso é importante, isso é essencial. Ele retira da perna um pedaço
de carne do tamanho de um grão de areia e coloca-o sob um tubo comprido cuja
força secreta permite aos olhos uma visão muito mais aguda. Com este olho
grande e poderoso, ele vê o interior de tudo, lágrimas, uma tira de pele, um
cabelo, absolutamente tudo. Corta todas essas coisas até chegar a um ponto em
que não pode cortá-las ou dividi-las mais. Embora este seja o ponto mais
pequeno de todos, é o essencial, porque é a entrada para o conhecimento supremo
que só o Grande Espírito possui. Essa entrada é negada ao Papalagui, e nem os
seus melhores olhos mágicos conseguiram ver para dentro dela. O Grande Espírito
não permite que lhe levem os segredos. Nunca. Nunca ninguém trepou uma palmeira
mais alta do que a palmeira em redor de cujo tronco ele enrolou as pernas, e na
copa tem de voltar para trás, porque não há tronco para trepar mais alto. O
Grande Espírito não ama a curiosidade do ser humano, e por isso pendurou
grandes lianas em tudo, lianas sem princípio nem fim. Assim, quem tentar seguir
pensamentos até ao fim supremo, acabará por descobrir que ficará sempre estúpido
e terá de deixar para o Grande Espírito as respostas que não sabe dar. Mesmo o
mais inteligente e corajoso dos Papalagui reconhece isto.
In «Papalagui», de Tuiavii
de Tiavéa [este livro resulta de uma colectânea de textos escritos por Tuiavii,
chefe da tribo samoana de Tiavéa, e dados a conhecer ao Ocidente, em 1920, por
Erich Scheurmann, que com ele conviveu naquela ilha do Pacífico Sul] (com nota
do editor, tradução de Ana Saragoça e revisão de Silvina de Sousa), Marcador
Editora (Editorial Presença), Queluz de Baixo, Janeiro de 2012 (1.ª edição).
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