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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O FUNDO DAS ÁGUAS, de Carlos de Oliveira


Adensam-se as formas vagas, surdindo tumultuariamente de não sei quê desesperado ainda como o mundo dos princípios; adensam-se os elementos, os vendavais, a aspereza do ferro, do cálcio, da lava, a fereza biológica dum fundo que não tem outro destino senão explodir.
Estou a sentir na sombra: um rumor de larvas e sementes, o amor de que sou capaz pela vida e pelos outros; o esboçar dalguma flor negra acordando, um ritmo de versos; caprichos da botânica ou desvios da alma; o vento da harmonia submerso entre caules sanguíneos e rugosos; a breve tempestade das conchas e dos peixes, a grande solidariedade que vos devo.
O que me espanta é a aceitação de cada dia. E desta angústia vou tecendo as palavras, desta água salgada e doce como as lágrimas e o sangue. Tecendo escuramente as palavras.

In «Trabalho Poético», de Carlos de Oliveira, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1998 (3.ª edição).

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