Wenceslau de Moraes |
Não me peçam agora, a mim, profano
na matéria e viageiro fatigado de tão multíplices impressões que tenho vindo
colhendo por este mundo fora, uma opinião pessoal sobre o chá-no-iu. Estive uma vez, é certo, com dois ou três amigos, em uma
das chaias de mais fama da cidade de
Cobe; e Tama-Guicu (o Malmequer Precioso) era a esplêndida sacerdotisa da
cerimónia. A impressão que daquela noite guardo é indefinida, fugidia, como de
um vago sonho que tivesse. Ficaram-me reminiscências indecisas do luxo sóbrio e
harmonioso e do asseio extremo das coisas impregnadas de exotismo onde poisou o
meu olhar. Na meia-luz do plácido aposento, amplo e silencioso como um templo, contornava-se,
distante, um vulto de mulher, de joelhos, envolta em sedas magníficas. As
atenções fixavam-se especialmente, como que por atracção hipnótica, nas suas
mãos finíssimas, alvejando no espaço como se fossem de marfim, tomando de
estranhos utensílios, preparando não sei que filtro de magia, poisando em
mímicas hieráticas, quais mãos de mística oficiante de uma religião
desconhecida. Por fim, convidado a partilhar no sacrifício, aceitava uma taça
com chá que me era oferecida e levava-a aos lábios comovido, com não sei que
súbitos escrúpulos de apóstata mal firme...
Tama-Guicu concluíra. Ergueu-se,
deslumbrante de graças, de atavios, de majestade. O seu rostinho meigo
iluminava-se então da exaltação beatífica que lhe electrizava o espírito;
dirigiu sobre nós a ardência negra dos seus olhos, saudou-nos reverente...
reverente, não porque uma ínfima cortesia sequer lhe merecêssemos – pobres
ocidentais ignaros! –, mas em estrita obediência aos preceitos rituais; e
desapareceu da cena.
In «O culto do chá», de Wenceslau de Moraes (com
ilustrações de Iochiaqui, gravadas por Gotô Seikodô), Frenesi, Lisboa, Abril de
2004 (conforme à 1.ª edição japonesa, de 1905, assinalando os 150 anos do
nascimento do autor e os 25 anos da casa Frenesi).
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