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Nazaré, 3 de Julho de 1940 – O mar...
Era uma coisa de que eu gostava:
saber o que dele pensavam os homens portugueses de mil e tal. Possivelmente,
que era extenso, medonho, e se interpunha entre uma costa e outra costa. O que
não deixa de ser simples e verdadeiro. Mas, se iam além desta definição, que
pensariam?
Hoje, de manhã, interroguei um
pescador. O mar, que será isto? Respondeu-me textualmente: – Muitas águas que
se juntaram... Ainda tentei descobrir por detrás deste positivismo qualquer
reminiscência de lenda ou mito. Nada. O homem, que me levava de barco ao largo,
remava, remava, e via em todo aquele fervilhar, em toda aquela inquietação –
água apenas.
Eu, porém, é que já estou tão
perdido que nem sou como os saveiros baianos, nem como os pescadores da Nazaré.
E ponho-me então a sentir que, embora a terra seja ainda capaz de manter a
vida, a parte do mundo onde ela nasce, e onde a ciência terá de ir procurá-la,
se quiser surpreendê-la no seu primeiro alento, é nele.
Que o mar é em última análise o coração
do mundo. Que pulsa, que geme, só por ser como o nosso: fonte e consciência
biológica de tudo.
In «Diário» (1.º volume), de Miguel Torga,
edição de autor, Coimbra, Dezembro de 1989 (7.ª edição).
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