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Foto de Luigi Pirandello retirada
de http://traduzirfantasmas.wordpress.com
|
(…)
Parece-vos, minhas senhoras e
meus senhores, que ainda pode haver vida no que já não mexe? Naquilo que
descansa na sua perfeita quietude?
A vida deve obedecer a duas
necessidades que, porque são opostas, não lhe permitem nem fixar-se
definitivamente nem continuar sempre a mover-se. Se a vida sempre se movesse,
nunca mais se fixaria; e se, ao contrário, se fixasse, nunca mais se moveria. E
a vida precisa de fixar-se e de mover-se.
O poeta ilude-se a si próprio quando
julga ter encontrado a libertação e ter conseguido a quietude fixando para
sempre numa forma imutável a sua obra de arte. Acabou simplesmente de viver
esta sua obra. A libertação e a quietude não se atingem sem que se tenha
deixado de viver.
E todos os que as encontraram e
conseguiram atingir estão nesta miserável ilusão de se crerem ainda vivos,
quando na verdade estão de tal modo mortos que já não sentem o fedor do seu
cadáver.
Se uma obra de arte sobrevive é
só porque ainda a podemos arrancar à fixidez da sua forma, porque podemos
acolher essa sua forma dentro de nós num movimento vital; e a vida somos nós
que lha damos então; diferente de tempo para tempo, e variando de um para outro
de nós; muitas vidas e não uma só; como se pode inferir das contínuas
discussões que se sucedem e que nascem do facto de não se querer acreditar
neste ponto: que não somos nós que lhe damos esta vida; e que não é de facto
possível que a vida que eu lhe dou seja igual à que lhe dá outro. Peço que me
desculpem, minhas senhoras e meus senhores, por esta longa excursão que me vi
obrigado a fazer para chegar a este ponto, àquilo a que queria chegar.
Podem-me perguntar:
«Mas quem foi que lhe disse que a
arte devia ser vida? É verdade que a vida tem de obedecer às duas necessidades
opostas que o senhor diz, mas por isso mesmo não é arte; tal como a arte não é
vida porque consegue precisamente libertar-se dessas necessidades opostas e
consiste na eterna imutabilidade da sua forma. E é por isso mesmo que a arte é
o reino da criação conseguida, enquanto que a vida está como deve estar, numa
infinitamente variada e constante formação. Cada um de nós procura criar-se a
si próprio e criar a sua própria vida com as mesmas faculdades do espírito com
que o poeta faz a sua obra de arte. E são de facto aqueles que mais são dotados
destas faculdades e que melhor as sabem utilizar que conseguem atingir um
estádio mais elevado e dar-lhe uma consistência mais durável. Mas não será
nunca uma verdadeira criação, antes de tudo o mais porque se destina a
deteriorar-se e a acabar connosco no tempo; depois porque, ao tender para um
fim, nunca poderá vir a ser livre; e finalmente porque, ao estar exposta a
todos os acasos imprevistos e imprevisíveis, a todos os obstáculos que os
outros lhe opõem, corre continuamente o risco de ser contrariada, desviada,
deformada. A arte vinga de certa maneira a vida porque a sua criação é
autêntica enquanto liberta do tempo, dos acasos e dos obstáculos, e não tem
outro fim a não ser ela própria.»
Pois, minhas senhoras e meus
senhores, eu respondo que sim, que é verdade.
E até vos digo que cheguei a
pensar muitas vezes com sentimentos angustiosos, senão de pavor, na eternidade
de uma obra de arte como numa inacessível e divina solidão da qual até o poeta
é excluído no momento em que acaba de criar; ele, um mortal, excluído desta
imortalidade.
Tremenda é a estátua na
imobilidade da sua atitude.
Tremenda é esta eterna solidão
das formas imutáveis, longe do tempo.
Qualquer escultor – eu não o sou
mas posso imaginar – depois de ter criado uma estátua, se verdadeiramente
acredita ter-lhe dado vida para sempre, deve desejar que ela, como coisa viva,
se possa soltar da sua fixidez e se possa mover e falar.
Deixaria de ser estátua e
tornar-se-ia em pessoa viva. Mas só com esta condição, minhas senhoras e meus
senhores, se pode traduzir em vida e voltar a mover-se aquilo que a arte fixou
na imobilidade de uma forma; só com a condição de esta forma receber de nós o
movimento, uma vida variada, diferente e momentânea: aquela que cada um de nós
for capaz de lhe dar.
Hoje deixam-se voluntariamente as
obras de arte na sua divina solidão intemporal. Os espectadores, depois de um
dia de pesadas preocupações e de actividade intensa, angústias e trabalhos de
todo o género querem, à noite, divertir-se no teatro. (…)
In «Esta noite improvisa-se» (do original Questa sera si recita a soggetto), de Luigi Pirandello, Editorial
Estampa, Lisboa, Janeiro de 1998 (2.ª edição).
..........................
Trechos da personagem Chanteause / A Cantora, vivida pela actriz Gabriela Smith, na peça "Esta noite se improvisa" (Rio de Janeiro, com direcção David Herman - autor Luigi Pirandello):
http://www.youtube.com/watch?v=LBbwdwl5SrQ
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Trechos da personagem Chanteause / A Cantora, vivida pela actriz Gabriela Smith, na peça "Esta noite se improvisa" (Rio de Janeiro, com direcção David Herman - autor Luigi Pirandello):
http://www.youtube.com/watch?v=LBbwdwl5SrQ
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