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quarta-feira, 19 de outubro de 2016

LUÍS QUINTAIS na perspectiva de Eduardo Pitta

Foto encontrada em http://omelhoramigo.blogspot.pt/
Contando com as duas plaquettes que deixaram de vir referidas na bibliografia, Angst (2002) é o sétimo título que Luís Quintais (n. 1968) publica. E é com toda a probabilidade o mais conseguido. Depois de uma fase breve – aquela que corresponde aos dois livros de 1999: Umbria e Lamento – em que pareceu evidente certo risco de afasia, o autor reencontra o tom fluente de quem escreve com a certeza de ter chegado depois. Exactamente: «Num mundo sem explicação, escreverás / depois.»
Esse distanciamento reflexivo permite superar a coacção da angústia: «Havia o verão, o medo de um círculo / fechando-se em torno de nós. / Cada sentimento era somente / a pobre descrição de uma / imagem. Descia a luz sobre nós, / e em nós se repetia o rumor das cicadas, / o milagre das casas muradas / a toda a possibilidade delinquente […] Havia o verão e as cicadas e o perigo / de nos perdermos numa cidade hostil.»
Não será excessivo afirmar que é nos poemas em prosa que o autor se liberta da ganga da literatura, impondo uma dicção limpa de trejeitos citacionais. Mesmo se Borges é o pretexto: «Que sonhos escondem estes olhos cerrados a toda a luz? Dilatei o espaço, a ardósia sobre a qual o giz persegue a vida. Do pensamento fui distraído por tudo o que julguei ver. Cumpra-se este gesto. Ver é andar distraído como algum apócrifo autor está escrevendo […] É o arbítrio dos homens. Não o arbítrio do pensamento. Uma rosa? Uma rosa virá quando pálpebras se fecharem. Sonharei a cinza que recobre a imarcescível rosa. Afastarei o seu véu. Poderei contar-vos depois o que a soberba rosa vos recusa.»
Na terceira parte de Angst estão reunidos alguns poemas de circunstância: dois reportam explicitamente ao 11 de Setembro (um deles em clave justicialista); outro evoca Jonas Savimbi (herói retrospectivo?); outro toma como móbil o ano de 1961 (ano mítico para todos os naturais de Angola, como é o caso do autor). Escreve-se sempre contra o esquecimento?

In «Aula de Poesia», série de textos breves de Eduardo Pitta (com revisão de Carlos Pinheiro), Quetzal Editores, Lisboa, Janeiro de 2010 (1.ª edição).

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