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Relativamente
à selecção de Mésseder, dois pontos prévios. Primeiro: quando se trata de
Carlos de Oliveira, todo o rigor é pouco. Segundo: não é sem alguma curiosidade
que avaliamos a parcimónia do antologiador relativamente a duas sequências
centrais: Cantata (1960) e Pastoral (1977). É evidente que todo o
antologiador tem direito à sua «controversa mas inelutável prerrogativa», neste
caso pouco explicitada na nota final. Globalmente considerada, a selecção é
generosa. Podemos começar pelo fim: «Porquê? um tal volume / de águas […] Para
abrir / depois, saber / da chuva numerosa / que fulgor perdura […] Se caminham;
/ com a sua aura de água / opaca; oprimem / o horizonte. Ou param / para
germinar. E então; / irreparavelmente; / absorve-os o crepúsculo.»
Filho
de pais portugueses, Carlos de Oliveira nasceu em Belém do Pará, no Brasil, mas
veio para Portugal com dois anos, fixando-se com a família na região da
Gândara, onde o pai foi exercer medicina. Os primeiros textos datam da
adolescência, época em que usou o pseudónimo Carlos Ganda para colaborar em
jornais escolares. Mais tarde, já na Universidade de Coimbra, fez amizade com
os neo-realistas, em particular Fernando Namora, que ilustrou a sua primeira colectânea,
Turismo (1942), aparecida na colecção
Novo Cancioneiro. Decerto não por acaso, a sua tese de licenciatura versará a
estética realista. Quando em 1948 se muda para Lisboa, é autor de três
colectâneas de poesia e três romances.
A
notável sequência de poemas em prosa de Sobre
o Lado Esquerdo (1968) influenciaria decisivamente alguns poetas mais novos
– Luís Miguel Nava foi dos que melhor aproveitou a lição –, desse modo estabelecendo «uma relação dinâmica com outras [poéticas
que] convergiram no sentido da renovação da poesia portuguesa no
pós-neo-realismo e no pós-surrealismo.»
Testemunha
privilegiada dos ominosos tempos da ditadura, Oliveira escolheu como seu o
campo da esquerda, o desses «camponeses […] destinados às sepulturas rasas»
cuja presença nunca beliscou a modernidade da escrita: «o melhor é voltar-me
para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade
mais gasta do meu corpo, esmagar o coração.»
Memória
de «lagoas pantanosas, calcário e areia», a sua obra ilustra o «fulgor / das
veias fatigadas / subindo à pedra», as «casas desidratadas / no alto forno»,
dois exemplos nítidos, entre outros, daquele tipo de imagem que atravessa o
magma escasso (mas impressivo) do universo do autor. O processo de revisão da
obra começou em 1962, quando reuniu em Poesias
todas as colectâneas menos uma – Turismo
ficou de fora –, e atinge mais alto conseguimento em 1976, o ano de Trabalho Poético, que recupera Turismo (em nova versão) e acrescenta
dez inéditos.
À
data da sua morte, 1 de Julho de 1981, talvez fosse mais conhecido como autor
de Uma Abelha na Chuva (1971),
entretanto adaptada ao cinema por Fernando Lopes, ou desse texto dificilmente
catalogável que é Finisterra (1978).
Porém, para os mais atentos, não era novidade que desaparecia uma das grandes
vozes do século XX português. Assim esta antologia possa despertar o interesse
de quem o conheça mal ou não conheça de todo.
In «Aula de Poesia», série
de textos breves de Eduardo Pitta (com revisão de Carlos Pinheiro), Quetzal
Editores, Lisboa, Janeiro de 2010 (1.ª edição).
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