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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

«Eu sou Louis Pauwels e estou aqui neste momento», excerto de «O Despertar dos Mágicos»

Imagem encontrada em http://www.greatthoughtstreasury.com/
Peguem num relógio, diziam-nos, e olhem para o ponteiro grande tentando manter a consciência de vós próprios e concentrar-se neste pensamento: «Eu sou Louis Pauwels e estou aqui neste momento». Tente pensar apenas nisto, siga os movimentos do ponteiro grande mantendo a própria consciência do seu nome, da sua existência e do local onde se encontra.
Ao princípio, isto parecia simples e até um pouco ridículo. Evidentemente que posso manter presente no espírito a ideia de que me chamo Louis Pauwels e de que estou aqui, neste momento, a ver deslocar-se muito lentamente o ponteiro grande do meu relógio. Depois apercebo-me de que esta ideia não se mantém muito tempo imóvel em mim, que começa a tomar mil formas e a correr em todos os sentidos, como os objectos que Salvador Dali pintava, transformados em lama movediça. Mas tenho ainda de reconhecer que não me pedem que mantenha viva e fixa uma ideia, mas uma percepção. Não me pedem apenas que pense que existo, mas que o saiba, que tenha desse facto um conhecimento absoluto. Ora eu sinto que isso é possível e que poderia produzir-se em mim, trazendo-me qualquer coisa de novo e importante. Descubro que mil pensamentos ou sombras de pensamentos, mil sensações, imagens e associações de ideias perfeitamente estranhas ao objecto do meu esforço me assaltam sem cessar e me desviam do esforço que faço. Por vezes é o ponteiro que prende toda a minha atenção e, ao olhá-lo, perco-me de vista. Por vezes é o meu corpo, uma crispação da perna, um pequeno movimento na barriga que me faz deixar a agulha e ao mesmo tempo a minha própria pessoa. Por vezes ainda creio ter feito parar o meu pequeno cinema interior, eliminado o mundo exterior, mas apercebo-me então que acabo de mergulhar numa espécie de sono do qual o ponteiro desapareceu, do qual eu próprio desapareci e durante o qual as imagens continuam a sobrepor-se umas às outras, assim como as sensações, as ideias, como que atrás de um véu, como num sonho que se desbobina por sua conta enquanto eu durmo. Por vezes, finalmente, por uma fracção de segundo, sou eu próprio a olhar esse ponteiro, sou totalmente, completamente. Mas, na mesma fracção de segundo, felicito-me por o ter conseguido; se assim o posso dizer, o meu espírito aplaude, e imediatamente a minha inteligência, apossando-se da vitória para dela se congratular, compromete-a irremediavelmente. Finalmente, despeitado mas sobretudo esgotado, fujo à experiência com precipitação, pois parece-me que acabo de viver os minutos mais difíceis da minha existência, que acabo de ser privado de ar até ao limite da resistência. Como aquilo me pareceu longo! Ora não se passaram mais de dois minutos e, em dois minutos, só tive uma verdadeira percepção de mim próprio durante três ou quatro súbitas e imperceptíveis revelações.
http://www.dalipaintings.net/
Eu devia portanto admitir que nós quase nunca estamos conscientes de nós próprios e que quase nunca temos consciência da dificuldade de ser consciente.
O estado de consciência, diziam-nos, é antes de mais o estado do homem que sabe enfim que não está quase nunca consciente e que, portanto, aprende pouco a pouco quais são os obstáculos que se opõem, nele próprio, aos esforços que faz. À luz daquele pequenino exercício sabem agora que um homem pode ler uma obra, por exemplo, aprovar, aborrecer-se, protestar ou entusiasmar-se, sem ter a mínima consciência do facto, e portanto sem que nada da leitura se dirija verdadeiramente a ele próprio. A sua leitura é um sonho acrescentado aos seus próprios sonhos, um desbobinamento no perpétuo desbobinar do inconsciente. Pois a nossa verdadeira consciência pode estar – e está quase sempre – completamente ausente de tudo o que fazemos, pensamos, queremos, imaginamos.
Compreendo então que há muito pouca diferença entre o estado em que estamos durante o sono e aquele em que nos encontramos no estado de vigília vulgar, quando falamos, agimos, etc. Os nossos sonhos tornaram-se invisíveis, como as estrelas quando o dia nasce, mas continuam presentes e nós continuamos a viver sob a sua influência. Nós apenas adquirimos, após o despertar, uma atitude crítica para com as nossas próprias sensações, pensamentos mais ordenados, acções mais disciplinadas, maior vivacidade de impressão, de sentimentos, de desejos, mas continuamos na não-consciência. Não se trata do verdadeiro despertar, mas do «sono desperto», e é nesse estado de «sono desperto» que se desenrola toda a nossa vida. Ensinavam-nos que era possível despertarmos completamente, adquirir o estado de consciência de nós próprios. Nesse estado, como o entrevi durante o exercício com o relógio, era-me possível ter, a respeito do funcionamento do meu pensamento, do desenrolar das imagens, ideias e sensações, dos sentimentos e dos desejos, um conhecimento objectivo. Nesse estado, eu podia tentar e desenvolver um esforço real para examinar, suspender de tempos a tempos e alterar esse desenrolar. E esse próprio esforço, diziam-me, criava em mim uma certa subsistência. Esse próprio esforço não chegava aqui ou ali. Bastava-lhe ser para que se criasse e acumulasse em mim a própria subsistência do meu ser. Era-me dito que poderia então, possuindo um ser fixo, alcançar a «consciência objectiva» e ter assim, não apenas de mim próprio, mas dos outros homens, das coisas e do Mundo inteiro, um conhecimento totalmente objectivo, um conhecimento absoluto.

In «O Despertar dos Mágicos – Introdução ao Realismo Fantástico», de Louis Pauwels e Jacques Bergier, tradução de Gina de Freitas, Livraria Bertrand, Lisboa, Março de 1980 (11.ª edição).

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