Rosa Ramalha, louceira de São Martinho de Galegos (Fotografia do Arquivo de Diário de Notícias) |
Fita 12, Lado B. Desfizera-se do encargo
dos moinhos, estabelecera-se com oficina de louceira, em definitivo e
orgulhosamente. Calculava a densidade que competiria a essa menina-dos-pombos,
acabada de reentrar dos matagais, por onde correra no encalço das mariposas.
Chamava-se Rosa, como ela, era filha de rei, sentava-se nos degraus do trono de
seu pai, a atender os príncipes todos, que afluíam, seduzidos por sua grande
boniteza, a tentar fazê-la sorrir, com as artes que exibiam. Obtinha uma cachopa
arrebicada, a apertar suas aves fofas, de véstia larga e comprida, cuja roda
apanhava, cautelosa e grácil, de cada vez que pulava sobre algum barranco.
Medi-la-iam, num despique, as restantes bonequeiras, invejosas da sabença que
lhe suspeitavam, dos romances que fantasiava, em que intervinham seus
bonifrates, com esse inegável condão de electrizar os interessados. Era a
menina-dos-pombos, logo se via, uma donzela, a quem se facultava, no palacete
onde residia, ao lado de serviçais que, a toda a hora, a penteavam e
despenteavam, escolher as iguarias de sua ceia. Passeava-se, depois disso, por
terraços de mosaico e caramanchões, a tripular, pela rédea, uma sardanisca, a
quem ensinara a fala dos homens. E, quando jornadeava, ei-la que utilizava um
carroção disforme, de reposteiros de couro vermelho, e lá iam os músicos, atrás
de tudo, de azul e de branco, a tocar atabales. Agora, no entanto,
contornava-lhe o busto, ao qual colaria o açafate daquele par de animais. E
estava quase completa a menina-dos-pombos, um pouco arrogante, é claro, em sua
fidalguia, tentada a forçar os outros ao que quer que lhe aprouvesse, com uma
só interjeição, uma só, da boquita risonha. Com ela filosofava o sol, enfim,
que apenas se retirava para ir contar, ao Imperador da China, com quem
pernoitava, as maravilhas todas que surpreendera, de terracota, em São Martinho
de Galegos, Portugal.
In «Rosa», de Mário Cláudio, colecção Biblioteca de Autores
Portugueses, Imprensa Nacional – Casa da Moeda (INCM), Lisboa, Novembro de 1988
(1.ª edição).
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