Gravura de Eisen aberta a buril por Massard representando a
infeliz freira
em traje de dama e em ambiente do século XVIII.
|
Há já muito tempo que um oficial espera esta carta. Tencionava escrevê-la de forma a não te aborrecer, mas é tão incoerente que será melhor acabá-la. Ai, não está em mim poder fazê-lo! Quando te escrevo é como se falasse contigo e estivesses, de algum modo, mais perto de mim. A próxima não será tão longa nem tão importante; podes abri-la e lê-la, confiado na minha promessa. Na verdade não devo falar-te de uma paixão que te desagrada, e não voltarei a falar nela.
Vai fazer um ano,
faltam só alguns dias, que me entreguei inteiramente a ti. A tua paixão
parecia-me tão sincera e ardente, que não poderia imaginar sequer que a minha
te viesse a aborrecer, a ponto de te obrigar a fazer quinhentas léguas, e a
expores-te a naufrágios, para te afastares de mim. Não esperava ser tratada assim
por ninguém: devias lembrar-te do meu pudor, da minha confusão, da minha
vergonha, mas tu não te lembras de nada que possa levar-te contra vontade a amar-me.
O oficial que há-de
levar esta carta previne-me, pela quarta vez, que quer partir. Como ele tem
pressa! Abandona, com certeza, alguma desgraçada neste país. Adeus. Custa-me
mais acabar esta carta do que te custou a ti deixar-me, talvez para sempre.
Adeus. Não me atrevo sequer a chamar-te meu amor, nem a abandonar-me
completamente a tudo o que sinto. Quero-te mil vezes mais que à minha vida e
mil vezes mais do que imagino. Ah, como eu te amo, e como tu és cruel! Nunca me
escreves; não consigo deixar de te dizer ainda isto. Recomeço, e o oficial
partirá. Se partir, que importa? Escrevo mais para mim do que para ti; não
procuro senão alívio. O tamanho desta carta vai assustar-te: não a lerás. Que
fiz eu para ser tão desgraçada? Porque envenenaste a minha vida? Porque não
nasci noutro país. Adeus. Perdoa-me. Já não ouso pedir-te que me queiras. Vê ao
que me reduziu o meu destino. Adeus.
In «Cartas portuguesas», atribuídas a Mariana Alcoforado
(prefácio e tradução de Eugénio de Andrade; com pinturas de Ilda David), edição
bilingue (o texto francês reproduzido neste livro segue o da edição original,
publicado em Paris por Claude Barbin, em 1669), colecção Documenta Poética (n.º
18), Assírio & Alvim, Lisboa, Abril de 1998 (2.ª edição).
Sem comentários:
Enviar um comentário