O rei D Carlos I no regimento de Infantaria 16, em 15 de Maio de 1907 |
“Os
republicanos nem sequer tomaram os quartéis da Guarda Municipal do Carmo, da Estrela,
dos Paulistas, de Alcântara”, lamentava o estivador Roberto Florival, que tinha
ido tomar, ao princípio da noite, um banho de limpeza de segunda classe, mas
com direito a toalha, aos Banhos de São Paulo, onde vira à entrada uns senhores
de chapéus tão altos que davam a sensação de não terem fim e muito bem
encadernados, não percebendo que eram os líderes políticos da revolta. “Depois,
também não conseguiram ocupar o Rossio – e o comando da Divisão Militar de Lisboa,
no Largo de São Domingos, que é o Quartel-General dos realistas. Estão ali
Caçadores 5, mais as suas metralhadoras, que não hesitam em disparar contra
farda inimiga, camisa azul de operário ou veston
elegante de rico; e o melhor regimento do país, que é a Infantaria 5”, bazofava
Flávio Lico, que tinha a mania de dizer que só pagava as dívidas em libras
esterlinas e até se vangloriava de ter ido à grande corrida de Darraqcs e Locomobiles e Peugeots no
Autódromo D. Amélia.
“De
resto, já nem há oficiais na Rotunda! Fugiram todos em automóveis. Ainda houve
uns populares que queriam que os mandassem fuzilar!”, tagarelava, como se
estivesse num exame oral, Necas Romão, o soberbo estudante de Coimbra, tentando
que ninguém suspeitasse de que tinha sido desprezado pelas tricanas Olívia,
Palmira e Quitéria. A seu lado, nada proferia Coriolano Fragoso, outro galante
aluno da Universidade, com a mania de trautear cantigas conimbricenses, com
versos de Veiga Simões ou de Vicente Arnoso ou de Octaviano de Sá ou de Adelino
Veiga. “Coimbra ficava no Norte ou no Sul?”, matutava Amélia.
“Hein?!
Tenha respeito! Há lá gente com medalhas do Ultramar e divisas de atirador
especial no braço direito. Não são propriamente ferradores dos cavalos que
puxam os canhões”, insurgiu-se a voz, viril como uma coronhada, de Pinho
Barros, capitão reformado, que passara o tempo militar entretido a jogar gamão
ou whist e que – ninguém o suspeitava
na rua –, a dar crédito ao que juravam os seus inimigos políticos, era incapaz
de distinguir uma carabina Francotte
de uma metralhadora Manenlicher.In «A Costureira Sem Cabeça» (romance), de Fernando Madaíl, colecção «Portugal Sem Fim» (dirigida por José Manuel Barata-Feyo, em parceria com a AMI), Oficina do Livro (grupo LeYa), Fevereiro de 2011 (1.ª edição).
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