António Gedeão – Foto encontrada em https://divport.files.wordpress.com
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Para quem não tem pena que o afague
é bom saber que o jovem par de amantes
marcou encontro num jardim de Copenhaga.
Na manhã fria como o aço cromado
uma névoa leitosa amassa o esqueleto das árvores
num hálito empastado.
Esquálidos, adivinham-se os ramos na bruma dissolvente,
secos e descarnados como tíbias desenterradas.
Ao longo das hastes, os dentes polidos do gelo pendente
como presas de cães atentas e aceradas.
Gélido um vento sopra e eriça a epiderme
das estátuas de bronze diluídas no espaço,
e a pele dos golfinhos de pedra que emergem da água
inerme
de um lago morto como vidro baço.
Ininterruptamente
cai a neve
naquela queda paulatina e leve
que tudo cobre, pesadamente.
Chegaram os amantes.
Caminham silenciosos, de mãos dadas.
Sob as luvas grosseiras e bordadas
sentem-se os dedos mais que palpitantes.
Pararam e examinam-se. Os olhos um do outro se povoam,
batem as asas, desfazem-se em vapor,
as minúcias do rosto sobrevoam
prospectando os filões mais íntimos do amor.
Fecham os olhos. Apagam-se as luzes.
Vogam no oceano os náufragos solitários.
Juntam-se as bocas no fundo dos capuzes
como dois pólos de sinais contrários.
Uma estrela cadente os ares corta
e enquanto o longo beijo continua
semeia luz em pó na natureza morta.
Rompem as flores do chão, e as árvores esquálidas
projectam sobre a relva a sombra tutelar.
Anima-se o sangue nas veias de bronze das estátuas
pálidas,
dissipa-se a névoa, alegra-se o ar.
Um búfalo de fogo no horizonte se esboça.
Traz música nos olhos e as goelas hiantes.
Funde-se a neve empedernida e grossa.
Funde-se o gelo. Fundem-se os amantes.
In «366 Poemas que Falam
de Amor», antologia organizada por
Vasco Graça Moura, Quetzal Editores, Lisboa, Fevereiro de 2009 (3.ª edição).
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