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André Gide - fotografia retirada de
http://beretandboina.blogspot.pt
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– Quer dizer que o
teu ovo está cheio? interrogou Hubert.
– Ó meu caro amigo,
gritei, os ovos não se enchem: os ovos nascem cheios… Aliás, já assim sucede
nos Pauis… e depois acho estúpido
dizer que faria melhor em escrever outra coisa… estúpido! ouviste?... outra
coisa! em primeiro lugar, para mim até seria óptimo; mas vê se compreendes que
aqui também há taludes a marginar, como nos outros sítios; as nossas estradas
são forçadas, tal como os nossos trabalhos. Posto-me aqui porque era um espaço
vago, sem ninguém; escolho um tema por exaustão, e Pauis porque estou certo de que não aparecerá ninguém sobejamente
deserdado para vir trabalhar na minha terra; foi o que tentei exprimir mediante
estas palavras: Sou Títiro e solitário.
– Li-te isto, mas não atentaste… E, de mais a mais, quantas vezes já te pedi
que nunca me falasses de literatura! A propósito – prossegui em jeito de
diversão – vais esta noite a casa de Angèle? ela recebe.
– Literatos… Não,
respondeu-me ele, não gosto, tu bem sabes, dessas reuniões concorridas onde nada
mais se faz a não ser falar; e julgava que também te faziam sufocar a ti.
– É verdade, admiti,
mas não quero magoar Angèle; ela convidou-me. De resto, pretendo encontrar-me lá
com Amilcar para lhe fazer notar que se sufoca. A sala de Angèle é demasiado
pequena para estes serões; procurei dizer-lho; até empregarei a palavra exígua;… depois preciso de falar com
Martin.
– Faz como
entenderes, disse Hubert, vou andando; adeus.”
In «Pauis», de André Gide (tradução de Gemeniano Cascais
Franco), Editorial Seis Filetes, Lda. (Fradique), Paio Pires (Setúbal),
Setembro de 2002 (1.ª edição portuguesa).
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