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Czeslaw
Milosz – fotografia retirada de http://www.the-tls.co.uk
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Os Seres Celestiais rebentam
de riso no Gabinete de Projectos,
Pois um deles desenhou um
ouriço,
Outro, para não ficar atrás,
uma cantora soprano –
Pestanas, seios, anéis de
cabelo, muitos anéis.
É um excelente divertimento
no oceano de energia espumante,
Entre estalos e descargas
prenunciadoras da electricidade.
Borbulham baldes de
proto-tinta, proto-pincéis trabalham,
Um vórtice potente de
quase-galáxias por trás de quase-janelas,
E uma claridade pura, livre
de nuvens.
Sopram nas conchas, dão
cambalhotas no quase-espaço,
No seu país dos arquétipos,
no sétimo céu.
A Terra está quase pronta, os
seus rios brilham,
As selvas crescem, cada uma
das criações
Aguarda o seu nome, um raio
passeia-se de longe,
As manadas nos prados não
levantam a cabeça.
Desabrocham as cidades, as
ruas estreitas,
O penico despejado pela
janela, a roupa interior.
E logo as auto-estradas para
o aeroporto,
A estátua no cruzamento, o
parque, o estádio
Para milhares que se levantam
e gritam: golo!
E como se fosse pouco
descobrir
O comprimento, a largura e a
altura,
Dois vezes dois e a força da
gravidade, ainda surgem
As cuecas de renda, o hipopótamo,
o bico do tucano,
O cinto da castidade com horríveis
dentes eriçados,
O peixe-martelo, o capacete
achatado,
E por fim, o tempo, quer
dizer, a divisão no que será e foi.
Glória, glória, cantam as
coisas existentes.
Ao ouvi-las, Mozart senta-se
ao pianoforte
E compõe a música, que já
estava pronta
Antes de ele ter nascido em
Salsburgo.
Se pelo menos tudo isto
perdurasse. Mas não.
Muda, passa, rodopia numa
bolinha de sabão
Junto com a invocação dos
Seres Celestiais para os mortais:
“Ó geração deturpada, como não
ter piedade de vós!
Os vossos trapos coloridos,
as vossas danças
Aparentemente devassas, mas
apenas deploráveis,
Os espelhos onde fica o rosto
com brincos,
As pálpebras pintadas,
pestanas ilusórias.
Como pode não ter-se nada
mais além da festa amorosa!
Que frágil defesa contra o
abismo!”
E o sol nasce e o sol põe-se.
E sol nasce e o sol põe-se.
Enquanto eles correm e
correm.
In «Alguns gostam de poesia – Antologia», com poemas de Czeslaw Milosz e
de Wislawa Szymborska
(selecção, introdução e tradução do polaco de Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves; e revisão de Vasco Renato),
Cavalo de Ferro Editores, Lda., Março de 2004 (1.ª edição).
(selecção, introdução e tradução do polaco de Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves; e revisão de Vasco Renato),
Cavalo de Ferro Editores, Lda., Março de 2004 (1.ª edição).
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