Para
abordar uma obra poética, duas atitudes são aparentemente possíveis: ou
atermo-nos às inflexões do canto e ao que nelas haja de específico, de pessoal,
de original; ou interessarmo-nos sobretudo pelo testemunho humano que esse
canto encerre. O testemunho humano, porém, só se manifesta, só toma corpo e
acaba por definir-se exactamente mediante os processos pelos quais se expressa.
E é aqui que conteúdo e forma, que depoimento e técnica se confundem num todo
inextricável. Inútil tentar dissociar ambos os aspectos. A sinceridade, a
verdade, a eficiência do depoimento poético dependem visceralmente dos meios
que o revelam, meios esses que lhe não são exteriores, mas sim a própria
matéria em que tal depoimento se consubstancia. A dissociação é pois
impraticável, excepto nos poetas menores, nos «fazedores de versos», que sobrepõem uma técnica dada a determinado pensamento que, só
por si, não é nem deixa de ser poético,
por estar ainda aquém da poesia. (…)
In «Opiniões com
Data», João José Cochofel, Obras Completas [de] João José Cochofel, Editorial
Caminho, Lisboa, Outubro de 1990.
Sem comentários:
Enviar um comentário