Quem fabrica um peixe fabrica duas ondas, uma que rebenta floralmente branca à direita,
outra à esquerda só com ar lá dentro,
e o ouro íngreme puxando o começo da noite e o fim do enorme dia onde todos morreremos
como filhos escorraçados ou disso a que chamam demónio da analogia,
quem fabrica um poema curto morrerá muito mais tarde,
só depois de estar maduro, quem
baixa a mão para quebrar um selo há-de baixá-la
para quebrar os outros, e há-de fechar os olhos,
e de tanto ter visto não poderá nunca mais abri-los:
e como pão e bebo água de olhos fechados como se fosse para sempre,
e assim, adeus a quem vê, que eu morro inteiro para dentro,
e vejo tudo só de entendê-lo
– oh coração escarpado,
que lhe toquem através do sangue turvo,
nem o amor nem o cego idioma das mães hão-de salvá-lo nunca:
súbito cai o terrífico estio sobre o mundo,
mas só a ele o queimará por entre as searas que amadurecem,
invisíveis, implacáveis,
alta noite
Poema reproduzido do livro «Servidões» (Assírio & Alvim, 2013)
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Poema «Quem fabrica um peixe fabrica duas ondas», de herberto Helder (dito por Fernando Alves): http://jardimdasdelicias.blogs.sapo.pt/quem-fabrica-um-peixe-fabrica-duas-532857
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Poema «Quem fabrica um peixe fabrica duas ondas», de herberto Helder (dito por Fernando Alves): http://jardimdasdelicias.blogs.sapo.pt/quem-fabrica-um-peixe-fabrica-duas-532857
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