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Num
Outono, num dos Outonos do tempo, as divindades do Xinto congregaram-se em
Izumo, mas não pela primeira vez. Disse-se que eram oito milhões, mas eu sou um
homem muito tímido, e sentir-me-ia um pouco perdido, entre tanta gente. Para
mais, não convém manipular cifras inconcebíveis. Digamos que eram oito, já que
o oito é, nestas ilhas, de bom agouro.
Estavam
tristes, mas não o mostravam, porque os rostos das divindades são kanjis, que se não deixam
decifrar. No verde cume de um cerro, em roda se sentaram. Do seu firmamento, ou
de uma pedra, ou de um floco de neve, haviam espiado os homens. Uma das
divindades disse:
Há muitos dias, ou muitos séculos, reunimo-nos aqui, para criar o Japão e o
Mundo. As águas, os peixes, as sete cores do Arco, as reproduções das plantas e
dos animais saíram-nos bem. Para que tantas coisas os não oprimissem, demos aos
homens a prole, o dia plural e a noite una. Assim mesmo, lhes outorgámos o dom
de poder ensaiar algumas variações. A abelha continua a repetir colmeias; o
homem imaginou instrumentos: o arado, a chave, o caleidoscópio. Também imaginou
a espada e a arte da guerra. Acabou de imaginar uma arma invisível, que pode
ser o fim da História. Antes de que ocorra esse insensato feito, apaguemos os
homens.
Ficaram
a pensar. Sem se atrapalhar, disse outra divindade:
É verdade. Eles imaginaram essa coisa atroz, mas também há esta, que cabe
no espaço que abarcam as suas dezassete sílabas…
Entoou-as.
Estavam num idioma desconhecido, e não as pude entender.
A
divindade maior sentenciou:
Que os homens perdurem.
Assim, por obra de um haiku, se salvou a espécie humana.
Assim, por obra de um haiku, se salvou a espécie humana.
In «A memória de Shakespeare», de Jorge Luís Borges (com
Prólogo de Luís Alves da Costa e tradução de Luís Manuel Bernardo e Luís Alves
da Costa), Colecção «A Biblioteca de Babel» (n.º 7), Vega (editor Assírio
Bacelar), Lisboa, 1994 (1.ª edição).
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UM POUCO SOBRE JORGE LUIS BORGES / Vídeo «Buenos Aires: Las calles de Borges»:
http://livingdesign.info/2011/09/11/buenos-aires-las-calles-de-borges/
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