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segunda-feira, 7 de junho de 2021

Notícias a cântaros



14 de Julho de 2018

    Não tenho a obsessão de me sentir informada sobre tudo o que acontece no mundo. Em mais nova limitava-me a passar os olhos por alguns títulos de jornal e via o noticiário televisivo sem qualquer continuidade. Foi o crescente interesse pela política, que explodiu por volta dos vinte anos, que me impeliu a acumular notícias. Tinha a impressão de ter vivido até esse momento de maneira distraída e tive medo de vir a viver a minha vida sem me dar conta sequer dos desastres, dos horrores à minha volta. Temia tornar-me uma pessoa superficial, com as suas cumplicidades inconscientes, com o seu desinteresse culpado. Assim, impus-me a leitura dos jornais e, como me pareceu que tal não bastava, passei aos livros de História Contemporânea, à Sociologia, à Filosofia. Houve um período em que, violentando a minha natureza, deixei até de ler romances, uma vez que isso me parecia roubar tempo à necessidade de viver o meu tempo com olhos bem abertos. Mas não fiz grandes progressos, era sempre como se houvesse entrado na sala depois de o filme ter já começado e tivesse de me esforçar por me orientar. Onde estava o bem, onde o mal? Quem era justo, quem injusto? Quem interpretava os factos e quem os distorcia? Um esforço que não acabou, pois antes me parece hoje mais difícil do que no passado procurarmos compreender como vai o mundo sem descobrirmos, já tarde, que fomos distraidamente coniventes com a corrupção do género humano. A chuva ininterrupta de notícias não ajuda, não ajudam os livros, não ajudam as sempre novas fórmulas sociológicas que simplificam brilhantemente a realidade. Tenho, pelo contrário, a impressão de que o sistema da informação, nas suas articulações em papel e electrónica, impõe aos cidadãos uma espécie de caos informativo, uma condição em que, quanto mais nos informamos, mais nos confundimos. O problema, portanto, para mim, não é estar informadíssima, mas detectar na massa inutilmente dilatada das notícias as que me sirvam para distinguir a tempo o verdadeiro e o falso, o melhor e o pior. Tarefa dificílima. Tive sempre uma grande admiração por quem, do interior das convicções mais diversas, na desordem que é própria de todo o presente, intuiu desde o início os perigos enormes do nazi-fascismo e os denunciou com coragem. Mas seremos ainda capazes de sermos sentinelas que vêem longe? Existirão hoje condições para vermos longe? Às vezes parece-me compreender porque é que nós, mulheres, somos cada vez mais leitoras de romances. Os romances, quando funcionam, servem-se de mentiras para dizer a verdade. O mercado da informação, na sua guerra em torno das audiências, tende cada vez mais a transformar as verdades mais insuportáveis em romanescas, apaixonantes, gratificantes mentiras.

Crónica de Elena Ferrante (com tradução de Miguel Serras Pereira), incluída no livro «A Invenção Ocasional», Relógio D’Água Editores, Lisboa, Julho de 2019.

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