Foto encontrada em http://www.snpcultura.org |
Este ano a
Feira do Livro de Lisboa chegou ao Parque antes dos Jacarandás. Passei por lá
em duas ocasiões diferentes. Um sábado festivo, entre desvairadas gentes, com
altifalantes e farturas. Mas, ainda assim, talvez uma tarde de alegria para os
livreiros. Sentei-me numa plateia solitária a escutar os poemas magníficos do
brasileiro Carlito Azevedo. E, num entardecer posterior, também por lá andei,
tudo mais ascético e rarefeito, uma oportunidade para leitores compulsivos
onde, por desgraça, me incluo.
O que é a
literatura? O que a caracteriza não é o objeto que elege, nem a experiência ou
o estatuto do autor enquanto tal, nem a receção individual ou social. O que
caracteriza a obra literária é uma determinada relação com a linguagem, é o
facto de transpor e transformar, mediante um sistema verbal, uma experiência
humana, mais simples ou mais sofisticada, criando um universo próprio. Não se
trata de discorrer, tematizar ou filosofar. Merleau-Ponty explica-o bem quando
diz que o específico da literatura é colocar uma ideia «diante de nós, como uma
coisa».
O mesmo
entendimento encontramos em Michel Foucault, falando do poema: «No poema – diz
ele –, já não tenho, de todo, a impressão de que a linguagem seja um signo,
tenho a impressão de que a linguagem é um corpo. Tenho a impressão de que a
linguagem já não é o signo (sinal, sintoma) de uma realidade qualquer, mas que
ela mesma é um ser vivo. Passou-se alguma coisa no interior da linguagem que
modificou radicalmente a sua natureza.»
A
literatura tem a ver com este poder instaurador, ontológico. «Passou-se alguma
coisa no interior da linguagem.» Esta não se reduz a elemento instrumental ou
ilustrativo, no quadro de um sistema de comunicação. Ela não fala apenas de
alguma coisa: ela é alguma coisa que se passa, um trânsito, um êxodo, no
sentido em que escreve e reescreve, descreve e redesenha, demonstra e mostra.
In «O Hipopótamo de Deus – Quando as perguntas que trazemos valem mais do que as respostas provisórias que encontramos», de José Tolentino Mendonça, Colecção Poéticas do Viver Crente (Série JTM), Paulinas Editora, Prior Velho, Outubro de 2013 (3.ª edição).
NOTA: O texto segue o AO90.
In «O Hipopótamo de Deus – Quando as perguntas que trazemos valem mais do que as respostas provisórias que encontramos», de José Tolentino Mendonça, Colecção Poéticas do Viver Crente (Série JTM), Paulinas Editora, Prior Velho, Outubro de 2013 (3.ª edição).
NOTA: O texto segue o AO90.
Sem comentários:
Enviar um comentário